Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

“O colunista precisa de liberdade de crítica”

No fim de 2010, o jornalista Wilson Figueiredo, 87 anos, e 65 de profissão, lançou o livro E a vida continua (Editora Ouro Sobre Azul), para contar sua trajetória profissional. Além de suas memórias – só em jornal impresso foram 50 anos – a obra traz também o registro de importantes acontecimentos da imprensa brasileira.

Após passar por grandes veículos, como o Jornal do Brasil, Wilson trabalha atualmente na agência de comunicação FSB. Na entrevista a seguir, concedida ao Nós da Comunicação, o jornalista falou sobre a reforma gráfica do JB, as transformações que o mercado de comunicação vem passando nos últimos tempos e o trabalho em assessoria de imprensa.

Você trabalhou com jornalismo político, inclusive escrevendo a coluna “Informe JB”. Como vê a atual cobertura jornalística do cenário político brasileiro?

Wilson Figueiredo –Há uma diferença fundamental no jornalismo de hoje, não só no jornalismo político, mas em geral. A política também sofreu transformações ao longo dos anos. Do ponto de vista jornalístico, era menos abstrata e mais concreta. Em 1946, os jornais acompanhavam as declarações e os desentendimentos e utilizavam tudo isso sem muita interdependência. Raramente havia uma sequência dos fatos, a não ser que houvesse alguma grande crise. Hoje, qualquer notícia com potencial de exploração tem imediatamente um aproveitamento espantoso, pois temos vários meios de comunicação. Não temos como fugir a isso.

Os meios de comunicação se aceleraram. Antigamente, um jornal levava 24 horas para chegar novamente ao leitor. Depois veio o rádio que virou uma espécie de contraponto com o jornalismo escrito e, por último, a televisão. Entretanto, com a internet, as apurações ficaram mais rápidas e acabam sendo atropeladas por novos fatos. Falta um ritmo e um processo depurador.

Hoje, os efeitos de um fato político trazem novos desdobramentos e cada um toma um rumo diferente, deixando o leitor atônito. Perde-se a profundidade, porque a maioria das pessoas não tem tempo para se dedicar às notícias. Por exemplo, a sequência de ministros afastados do governo Dilma. Nenhum deles sobreviveu à intensidade do noticiário e, por enquanto, nada aconteceu legalmente. Repare que também não há mais cobrança do povo. O último ministro que caiu simplesmente saiu de cena e não se falou mais nisso.

E qual seria a solução para esse cenário?

W.F. –O jornalismo não tem como resolver isso de imediato, a não ser com consequências políticas. Outra questão é que a política mudou bastante nos últimos anos. Os fatos nacionais repercutiam no Rio de Janeiro, quando a cidade era a capital do país. Já Brasília é geradora dos fatos, mas não é uma câmara de ecos suficiente. Você não ouve falar em opinião pública na capital federal. Ao mesmo tempo, insisto, a denúncia dura 24 horas e, no dia seguinte, é substituída por outra. Ficamos com a impressão de que tem outros fatores atuando na política.

Durante o período em que você trabalhou no Jornal do Brasil, quais foram os momentos mais marcantes. Por quê?

W.F. –O período mais importante foi quando eu fazia a coluna “Segunda Seção”. O nome era uma referência a um setor do Exército que tinha fama de ser um departamento altamente informativo. Dois anos depois, quando saí, o espaço passou a se chamar “Informe JB”. Esse período coincidiu justamente com a crise que começou com a renúncia de Jânio Quadros e o golpe de 1964. Na verdade, foi tudo um fato só, pois a renúncia do Jânio levou o João Goulart ao poder, que sofria resistência por parte dos militares. Lembro que havia uma tensão no ar. Até quando Jango ficaria? O Congresso já era em Brasília, mas o Rio ainda tinha muita força política. Esse foi o momento mais tenso que vivi. Em seguida veio o regime militar.

Eu saí da coluna em janeiro de1965, assim que o Castelo Branco começou seu mandato. Não propriamente por esses fatos, mas por causa da maneira com que o jornal lidava com essas questões. Optei por sair após algumas divergências de opinião sobre como a coluna deveria ser. Não queria que fosse um espaço para notinhas ou fofocas. Já a direção do veículo queria que seus colunistas não divergissem da ortodoxia do jornal. Ficou difícil trabalhar daquele jeito. Um colunista não pode se colocar contra o jornal, mas precisa de uma margem de liberdade crítica. Eu saí da coluna, mas continuei como editorialista do JB e assinando matérias.

Conte-nos sobre sua participação na reforma gráfica do Jornal do Brasil. De que forma ela influenciou o mercado de jornalismo brasileiro? Um exemplo disso foi o próprio “Caderno B” do diário.

W.F. –Antes da reforma, as pessoas compravam o JB por causa dos anúncios e classificados que abrangiam todo o mercado profissional com ofertas de empregos em diversas áreas. Pejorativamente, chamava-se jornal das cozinheiras. Até nas primeiras páginas havia anúncios de classificados. A ideia era fazer um jornal diferente. Com a reforma, o conteúdo também mudou. Até então, as notícias eram mais serviços do que reportagens. O diário passou a disputar espaço no mercado contratando jornalistas e investindo em novos profissionais, com salários melhores. Hoje, você encontra centenas de profissionais que passaram pelo Jornal do Brasil justamente por esse posicionamento.

A concorrência demorou a reagir, pois achava que essa estratégia não daria certo. Entretanto, como o JB tinha o monopólio dos classificados, eles estavam com o mercado nas mãos. Os comerciantes faziam fila para comprar espaço no jornal. Foi assim que o JB empurrou o mercado para salários maiores. Muitas publicações sumiram naquele período pela incapacidade de lidar com a censura e a falta de modernização na relação com as agências de publicidade.

Indiretamente, a reforma teve esse efeito no mercado de jornalismo. O jovem que ingressava no mercado via o JB como um veículo com liberdade de notícia e disposto a inovar. Tornou-se então um jornal simpático e conseguiu sobreviver. Enquanto isso, o Correio da Manhã e o Diário de Notícias, que eram importantes à época, faliram.

O senhor conviveu com importantes nomes como Fernando Sabino, Otto Lara Resende e Alberto Dines, entre outros. O que você aprendeu com esses profissionais?

W.F. –Foi o Dines que me chamou para voltar para o Jornal do Brasil. Eu já tinha trabalhado com ele na Manchete. Éramos todos mais ou menos da mesma idade. O Otto era mais velho e já trabalhava com jornalismo quando vim para o Rio de Janeiro. O Fernando Sabino também já escrevia para jornais. Isso tudo foi novo, porque o jornalismo antigo era feito por outro tipo de gente.

Antigamente, o dono da empresa falava diretamente com o dono de um jornal. Hoje isso não acontece, porque se um jornal apoia uma determinada companhia, em um momento de crise empresarial, a imagem do veículo será manchada. Um jornal mantém sua independência ao rejeitar qualquer compromisso desse tipo. A imprensa hoje é muito melhor e profissional. O jornalista não pode fazer “o jogo” de um banqueiro ou de um político. Nesse sentido, a imprensa melhorou muito.

Atualmente, é grande o número de profissionais trabalhando com comunicação interna e assessoria de imprensa. Você poderia comentar essa migração dos grandes veículos para essas áreas?

W.F. –As universidades estão formando mais profissionais do que o mercado pode suportar. O setor não está crescendo, mas pagando melhores salários. O JB perdeu seus melhores jornalistas, pois não podia pagar por eles. Como muitos vão diretamente para as assessorias e relações públicas esses recém-formados não terão o “espírito das redações”. O jornal funciona 24 horas e o jornalista precisa viver dessa maneira. 

Com tantas inovações tecnológicas, como você analisa o mercado de mídia impressa no Brasil?

W.F. –O mercado está lutando para sobreviver. Eu, por exemplo, sou assinante de três jornais impressos, por enquanto nenhum digital. Um dos problemas do Brasil é a grande parcela de pessoas que não têm o hábito da leitura. Mesmo tendo empresas de comunicação tentando popularizar seus principais jornais, isso não vai aumentar o número de leitores e telespectadores. Ainda temos a competição com a internet, que se destaca graças à incapacidade de atualização dos jornais. A vantagem na internet é justamente poder atualizar seu site a qualquer momento, o que não dá para fazer no jornal impresso. Outro fator é o custo do papel.

Especialistas alegam que o jornalismo produzido hoje em dia perdeu qualidade por causa de leitores desinteressados. Você concorda com essa mecânica ou seria o contrário?

W.F. –Normalmente, o leitor de um jornal se identifica com a tendência daquele diário. Leio jornais populares e os considero fascinantes. Antigamente eram cheios de besteira, hoje são muito bem feitos. Entretanto, são veículos que não abordam com profundidade o noticiário político, que é o que mais me interessa.

O senhor trabalhou durante muito tempo com jornalismo diário e agora trabalha em uma assessoria de comunicação. O que você apontaria de diferente nesses dois campos?

W.F. –Em assessoria você faz jornalismo, mas trabalha com conhecimento de causa no terreno da opinião. O jornalismo diário cria uma espécie de expectativa de notícia, que é sempre uma questão em aberto. E corre-se o risco da concorrência encontrar outro viés daquele fato. O repórter não pode mentir. Se um avião cair, não dá para deixar de publicar o nome da empresa aérea. Antigamente, os veículos davam o nome discretamente ao final da matéria. Isso não se faz hoje em dia.

Já a assessoria de comunicação tem como objetivo esclarecer dúvidas e tirar qualquer margem de interpretação espúria. É quase uma religião. Além disso, serve também para dar suporte e treinamento para o porta-voz de uma empresa em vários cenários.

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[André Bürger, do Nós da Comunicação]