Saturday, 02 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1312

Vale a pena brigar por isso

No jornalismo europeu vemos, relativamente ao Brasil, uma necessidade menor de cobrança do chamado varejo cotidiano na cobertura diária da imprensa. Uma tese a este respeito é de que a população daquele continente já terá superado uma fase do desenvolvimento em que se tem de implorar aos políticos por redes de drenagem, fim dos buracos nas ruas, escolas públicas, postos de saúde e até recolhimento de lixo. Ou seja, o mínimo de obrigações administrativas a que homens e mulheres públicos devem responder. Ainda assim, a cobrança europeia permanece em outros setores como os que levaram os países do continente à atual crise macroeconômica do euro. Um debate que envolve a todos numa alargada discussão pública e cidadã. Um tema que está na agenda até das pessoas mais simples.

No Brasil, a vigilância da imprensa e a lembrança das obrigações dos políticos, ainda que comezinhas, são permanentes. Daí as urnas de protesto, ripas e constantes reclamações contra quem promete e não cumpre. Num ensaio de 1932, o escritor francês Paul Nizan criou a expressão “os cães de guarda” referindo-se aos filósofos.

Contemporaneamente esta expressão foi incorporada à missão jornalística: “ser o cão de guarda da sociedade” ou, em uma outra expressão, “confortar os que vivem na aflição e afligir os que vivem no conforto”.

Política inteligente

Mas se este tem sido o papel da imprensa, por que a política deixou de fazer parte da agenda de interesses do cidadão comum? As pessoas reclamam do esgoto, mas não se interessam em saber o que pensam e o que fazem os políticos. Na recente pesquisa promovida pelo Instituto Futura, e publicada no jornal A Gazeta, vimos que a maior parte dos capixabas não sabe dizer que projetos os deputados andaram aprovando e não lembram dos nomes nos quais votaram nas últimas eleições.

Entrevistados pelo programa Bom Dia Espírito Santo, da TV Gazeta, dois líderes comunitários apresentaram algumas pistas: “o político fala japonês para um povo que mal entende português” ou “o que falta é educação para se exigir mais”. Portanto, precisamos de políticos inteligentes, que saibam inovar em sua relação com o eleitor, falem uma linguagem fácil de ser entendida e estimulem o povo a se envolver com a política.

O jornalismo também é fundamental neste processo. É preciso elevar o nível do debate, é necessário cobrar dos políticos algo mais do que uma solução para a emergência. Sem isto, os eleitores chegam às eleições despreparados para a escolha e lá vamos de volta à velha ladainha de que “o povo não sabe votar”. Com uma política inteligente e de boa qualidade haverá menos buracos para tapar, gente morrendo nas estradas e políticos para “dar ripada”. Vale a pena brigar por isso!

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[Carlos Tourinho é jornalista]