O governo anunciou um corte de R$ 55 bilhões nas despesas previstas na lei orçamentária de 2012. Os meios de comunicação trataram do assunto com reservas, sem aceitar passivamente a versão oficial do programa de austeridade. Louvável, mas editores, repórteres e comentaristas podem ter voltado a lente crítica para alvos errados. O mais notório, nesse caso, é o orçamento do Ministério da Saúde. O governo, segundo acentuaram algumas coberturas, podou os recursos previstos para o setor e com isso traiu uma de suas promessas. Mas essa versão é um tanto forçada e indica um trabalho mais birrento do que atento.
Parece ter faltado uma leitura mais cuidadosa da tabela de gastos discricionários distribuída pelo Ministério do Planejamento. O quadro contém os números da Proposta de Lei Orçamentária enviada pelo Executivo ao Congresso, a Lei Orçamentária aprovada pelos congressistas e os novos limites definidos pelo governo. Como de costume, os parlamentares inflaram os números contidos na proposta original, aumentando a projeção de receita para acomodar as despesas de seu interesse. Para neutralizar essa manobra, o pessoal dos ministérios do Planejamento e da Fazenda reviu as contas e eliminou R$ 29,5 bilhões da arrecadação estimada. A revisão das despesas veio em seguida.
Diferença abissal
Para alguns ministérios, foram simplesmente restabelecidos os valores previstos na proposta inicial do Executivo. Para outros, foram atribuídos, na revisão, valores menores que os originais. Para um terceiro grupo, as novas cifras são inferiores às contidas na lei aprovada pelo Congresso, mas superiores aos da primeira versão. Este é o caso dos ministérios da Educação e da Saúde.
Para a Educação, o governo propôs no projeto inicial despesas discricionárias de R$ 33,3 bilhões. Os congressistas elevaram o valor para R$ 35,3 bilhões. O novo limite é R$ 33,4 bilhões – superior, portanto, à dotação original. Para a Saúde, a proposta original foi de R$ 71,7 bilhões, elevada para R$ 77,6 bilhões pelos parlamentares. O novo número é R$ 72,1 bilhões. Houve corte, sim, mas só em relação à verba aprovada pelos congressistas. Em relação ao projeto do Executivo houve aumento. Pode parecer um detalhe irrelevante, mas não é. Há uma distância considerável entre cobertura birrenta e cobertura crítica.
Mas a cobertura birrenta, ou cricri, pode voltar-se também para detalhezinhos, estes, sim, de relevância nula ou discutível. Na quinta-feira (16/2), o Banco Central divulgou seu Índice de Atividade Econômica ((IBC-Br), considerado uma prévia do cálculo do Produto Interno Bruto (PIB) divulgado trimestralmente pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Uma emissora de rádio apresentou na mesma quinta-feira, à noite, a primeira pérola da cobertura. Segundo a notícia, a estimativa do BC havia ficado abaixo do crescimento de 2,8% estimado pelos economistas do mercado financeiro. De fato, o BC calculou para o ano passado um crescimento econômico menor que aquele: 2,79%. Enorme diferença: 0,01 ponto porcentual.
Boas perspectivas
Parte do noticiário chamou a atenção para outro aspecto, um crescimento abaixo de 3%, antes mesmo de mencionar os 2,79%. Nesse caso, a referência foi às previsões de outras áreas do governo. Comparações com as estimativas de várias fontes podem ser importantes, mas uma leitura cuidadosa do material poderia ter sugerido a exploração de outros pontos.
Por exemplo: o crescimento de 0,57% de novembro para dezembro foi um dado claramente positivo – um bom indício de reativação econômica, depois de uma parada em outubro. Além disso, o número-índice de dezembro foi o maior do ano e apontou um nível de atividade superior ao de março, quando se esgotou o forte empuxo de 2010.
Um dia depois do IBC-Br, dois outros dados positivos foram divulgados. O desemprego em janeiro – 5,5% – foi o menor para o mês desde o início da série atual, em 2002, segundo o IBGE. No mesmo dia, a Confederação Nacional da Indústria (CNI) informou o resultado de sua pesquisa sobre o Índice de Confiança do Empresário Industrial (ICEI). Embora continue menor que o de um ano antes, o índice cresceu em fevereiro pelo segundo mês consecutivo em quatro das cinco regiões cobertas pela sondagem e nos três segmentos de tamanho – pequena indústria, média e grande. Houve melhora tanto na avaliação das condições atuais da economia quanto nas perspectivas dos próximos seis meses.
Parece haver mais que mera casualidade nessa sequência de informações.
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[Rolf Kuntz é jornalista]