“A Folha cobre o Carnaval com o kit mínimo necessário: descrição burocrática dos desfiles, registro dos incidentes, o que rolou nos camarotes, fotos de mulheres e uma coluna de notas que, num ano, se chama ‘confetes’ e, no outro, ‘serpentinas’.
Para atravessar o samba, o jornal colocou na capa do sábado de Carnaval um extrato da coluna de Barbara Gancia: ‘Desfile no Rio é torrada com caviar, e o de São Paulo é com estrume’. A chamada estava no alto da Primeira Página.
A grosseria deu resultado: 43 leitores escreveram ofendidos. Os mais elegantes tacharam a coluna de ‘preconceituosa, insensível, ignóbil, chula, rasteira’.
‘Assinante da Folha há anos, não poderia deixar de manifestar meu repúdio às declarações desrespeitosas à nossa cidade. Além de tudo, a metáfora do sanduíche é pobre e pouco criativa’, escreveu o técnico de som Miguel Sagatio, 67, que lê as colunas da Barbara (e gosta).
Em seu texto, curto e editado sem destaque no ‘Cotidiano’, a colunista conta que já desfilou na Sapucaí e no Sambódromo de São Paulo. No primeiro, sentia o embalo da arquibancada; no segundo, parecia que o público estava dormindo. Concluiu que São Paulo não engrena com Carnaval, mas fez a ressalva de que isso pode ser um elogio.
Barbara provocou, não defendeu uma tese, como Janio de Freitas, que no domingo passado discorreu seriamente sobre por que o desfile das escolas de samba não pode mais ser considerado Carnaval carioca.
Na página interna, o canapé escatológico da Barbara não foi para o título nem para a frase em destaque. Por que então a provocação na capa do jornal?
‘O texto era desagradável, egocêntrico, no estilo do Rafinha Bastos, mas o pior não foi a colunista ter escrito, foi o jornal ter publicado e com chamada na Primeira Página’, critica o leitor Mário Eduardo Senatore Soares, 47, professor da Escola Politécnica da USP.
A Secretaria de Redação não explica por que deu tamanho destaque ao texto, mas defende a colunista. ‘A Folha tem -e se orgulha de ter- 110 colunistas, que representam ampla gama de opiniões, posições políticas, estilos de escrever. Barbara Gancia se enquadra na categoria dos que dão a sua opinião de maneira direta e crua’, afirma.
Sem investimento em reportagem, mas sem coragem de ignorar o Carnaval, o jornal apelou para a velha rixa Rio X São Paulo e tentou atiçá-la da forma mais preguiçosa e gratuita possível. Se é para fazer assim, melhor deixar a cobertura da festa para a televisão. Talvez José Simão tenha razão: ‘Carnaval é como sexo: só é bom ao vivo’.
***
Fome de justiça
Alguns leitores não entenderam por que a Folha omitiu os nomes dos pais do garoto que atropelou com um jet ski uma menina de três anos em Bertioga no Carnaval.
A explicação só apareceu anteontem: o Estatuto da Criança e do Adolescente proíbe identificar menor que cometeu infração ou que esteja em situação de constrangimento. Não se podem publicar os nomes dos pais, porque isso permitiria descobrir quem é o garoto de 13 anos. A punição para quem desobedece ao Estatuto é severa, pode chegar à suspensão da circulação do jornal por dois dias.
O caso, que envolve um jovem rico e uma garotinha morta em sua primeira visita ao mar, causa comoção. Nessas horas, cautela nunca é demais.
No primeiro dia, a Folha cita declarações de pessoas que teriam visto o adolescente fugir com a mãe em um helicóptero, o que acabou não se confirmando.
Sem poder dar o nome do pai, o jornal mostrou quem é o dono do jet ski, um empresário que emprestou a casa à família do garoto, mas que não estaria na praia no dia do acidente. ‘Ele é dono do aterro Pajoan, em Itaquaquecetuba, que em 2011 chegou a ser embargado por receber terra das obras do aeroporto de Cumbica de forma irregular’, dizia o texto. Qual a ligação disso com o atropelamento? Nenhuma, mas ajuda a aplacar a fome por Justiça.”