Thursday, 19 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

Autorregulamentação não exclui controle público e social

O conceito de autorregulamentação voltou à cena nos últimos meses, a partir da pressão social em torno da necessidade de implementação de um marco regulatório para as comunicações. Agora, no momento em que o Ministério das Comunicações anuncia que colocará em consulta pública a proposta regulatória que estava engavetada, fica claro que o empresariado quer é evitar a todo custo qualquer iniciativa de fiscalização às suas atividades.

Desde 1978, existe o Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar), com a prerrogativa de barrar campanhas consideradas agressivas aos direitos do consumidor ou ao próprio mercado. Também a Associação Nacional de Jornais (ANJ) aprovou, em 2011, a criação de um conselho de autorregulamentação para a área do jornalismo gráfico. Iniciativas deste tipo são bem-vindas, mas demonstram antes uma reação do mercado à incipiente mobilização da sociedade civil (e ao ensaio do poder público em criar estruturas de fiscalização dos meios) do que um efetivo interesse em qualificar a comunicação oferecida à população.

A tese de que entidades de classe são capazes de fazer com que as empresas representadas sigam normas e condutas éticas comuns é discutível. Fundado pelas associações brasileiras de Anunciantes (ABA), de Agências de Publicidade (Abap) e de Emissoras de Rádio e TV (Abert), além da própria ANJ, o Conar é um exemplo disso: uma olhada nas campanhas publicitárias exibidas na mídia resultará em vários apontamentos sobre comerciais que poderiam ser questionados por desrespeito às diversidades de gênero, etnia, credo, gerações e orientação sexual. Portanto, há uma certa distância entre a orientação do Conar e os valores éticos empregados na produção destas campanhas.

A supremacia do privado sobre o público

Nem sempre a opinião do mercado coincide com a posição do consumidor e com a avaliação do cidadão. Além do mais, a implementação de medidas de autorregulamentação não exclui iniciativas de controle público e social sobre os meios de comunicação. Também não inibe a necessidade de mecanismos legais capazes de colocar obstáculos à concentração de propriedade de emissoras de rádio e de televisão, jornais e revistas, portais e sítios eletrônicos por uma mesma companhia de comunicação. Assim como não elimina a necessidade de que as emissoras contempladas com concessões deem conta da pluralidade cultural da sociedade brasileira na programação e promovam a descentralização da produção.

Desta forma, a autorregulamentação é apenas uma das medidas passíveis de serem adotadas na defesa do direito à comunicação. Se o pleito é alcançar uma comunicação mais democrática e inclusiva, a autorregulamentação não resolve. As emissoras de rádio e de TV operam mediante concessão pública, faturando com campanhas publicitárias e merchandising que ocupam o espaço público do espectro radioelétrico. Uma atividade com estas características deve estar disponível a prestar contas ao público, o que é diferente de negociar regras entre os pares, mesmo que essas normas tenham algum nível de resultado social positivo.

Uma regulamentação construída a partir do mercado será necessariamente submissa aos interesses do capital. Uma empresa é planejada para gerar dividendos, ao que deve estar adequado todo ordenamento que tenha origem nela. Os valores destas regras obedecerão à lógica de supremacia do privado sobre o público. Em consequência, a regulamentação pelo mercado não basta por si, devendo a sociedade civil assumir sua prerrogativa de fiscalização sobre os meios de comunicação, por mais bem intencionados que sejam seus dirigentes.

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[Valério Cruz Brittos e Luciano Gallas são, respectivamente, professor titular no Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação da Unisinos; e mestrando no mesmo programa e associado ao coletivo de comunicação Intervozes]