Causa polêmica em Minas a denúncia de que o governo vem escondendo os verdadeiros números da violência no estado. Nada de novo para mim e tantos outros que dormem com um olho no peixe e outro no gato. Em 1998, denunciei isso no jornal Estado de Minas. A manchete foi: “Minas esconde os números da criminalidade”. Registrei a fraude no meu livro A Justiça dos Lobos, em 2009 (p.35). Descobri, por exemplo, que a PM anunciava em setembro daquele ano uma média de 10 assaltos/dia, contra 24 anotados no seu relatório reservado. O Ministério da Justiça confirmou a manobra.
O curioso é que, 14 anos depois, a imprensa descobre que está sendo enganada. Pior é que os graúdos dessas corporações fazem isso para manterem no cargo políticos vagabundos que vivem à custa de números generosos de sua administração. Todo jornalista sabe que os políticos agem assim. Quando o assunto é criminalidade, o governo empurrar os números para baixo. Na ditadura era a mesma coisa. Os generais escondiam a verdade para sobreviverem da mentira.
O sistema matava e falava que era suicídio ou acidente (caso Vladimir Herzog, Alexandre Van Baumgarten – executado com um tiro na cabeça e caso dado como afogamento; depois trocaram o corpo e mandaram outro para o velório etc.). Havia casos mais escabrosos ainda. Durante o reinado dos Homens de Ouro no Rio, na década de 1970, a polícia registrava como disparo acidental (ou legítima defesa) uma execução com 100 ou mais tiros. Era fácil isso porque vivíamos um regime de exceção. No regime vigente, de democracia ampla, o cara tem que se virar nos trinta para enganar os outros, mas estatisticamente falando, nada é impossível.
Traído pela mentira
Aliás, toda estatística política é dúbia, de modo a permitir um duplo sentido, algo parecido com horóscopo. As pegadinhas desses números mágicos, ainda que contenham questões primárias, fisgam até os mais céticos. Exemplo: se um restaurante fornece 50 marmitas para 50 operários, cada um comeu uma marmita. Ou uma dezena passou fome porque é possível um cara comer cinco marmitas (ou dez comerem três ou mais cada) e deixar um punhado de companheiros chupando dedo.
É por essas e outras razões que nunca acreditei nos registros oficiais quando há interesse político sobre os mesmos. Infelizmente, a maioria dos jornalistas acha mais confortável copiar o que dizem as autoridades a ter que questioná-las ou criticá-las pela inconveniência do conflito. No caso dos números mentirosos revelados pelo governo de Minas, o menos culpado nisso tudo é o policial de rua, que rala para combater a bandidagem mas é traído pela mentira, em detrimento de uma política austera de combate ao tráfico de drogas, por exemplo.
Solução pela estatística
Brizola já dizia: droga é um artigo de importação que deve ser reprimido na fronteira. Se deixar entrar, paciência. Não será a polícia estadual que vai fazer a diferença nesta relação mercantil entre a oferta e a procura. Enquanto não houver uma repressão eficiente na fronteira para evitar a entrada da droga no país, esse produto do capeta continuará sendo cotado pela lei da oferta e da procura. Não há outro jeito. Para se combater isso, com as fronteiras escancaradas, teríamos que reduzir a procura, o que somente seria possível com um trabalho sério de conscientização e de tratamento dos dependentes químicos, mas esse é o lado mais complexo dessa relação de mercado. Melhor seria começar pelo fechamento da porteira.
Ocorre que na cabeça de determinados degenerados inferiores (era assim que os antropólogos, sociólogos e psicólogos do século 19 classificavam os pouco inteligentes) com poder de mando neste país, é mais fácil resolver o problema pela estatística. No lugar de colocar 30 assassinatos em 30 dias, muda-se para 15 assassinatos e 15 encontros de cadáver em um mês e troca-se um crime por dia por um a cada dois dias, enfiando-se isso goela abaixo da imprensa e ponto final.
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[José Cleves é jornalista, Belo Horizonte, MG]