Um dia, o grande jornalista e homem de Letras Audálio Dantas solicitou-me escrevesse, entre vinte e trinta linhas, sobre a função do tabloide na imprensa contemporânea, tomando como exemplo O TREM Itabirano, já em franca aceitação nacional. Acrescentou que eu deveria remeter-lhe o texto no dia seguinte, o que foi feito. Eis o que lhe enviei:
Que dizer do tabloide que se publica em Itabira, interior de Minas? Chama-se O TREM. Bem escrito e paginado, contestador, reivindicante, concede espaço a escritores, jornalistas e intelectuais do país inteiro. Consegue sufocar o jeito grupal ou provinciano de que não se libertam os jornalões do Rio e de São Paulo, para os quais “cultura” não passa de futebol e show business.
Retoma o clima do jornalismo informativo, necessário às exigências do público diversificado. Portanto mantém em bom nível o aspecto cultural e investigativo, sem manifestar dependência dos operadores dos interesses internacionais. Ou seja, das agências e dos jornais que empunham a bandeira da imprensa livre, enquanto protegem ações monopolistas e vergonhosa manipulação do noticiário em favor do agronegócio devastador e destrutivo, da exportação pura e simples de riquezas naturais (Itabira foi vítima histórica da exportação de minérios), da exploração do petróleo (veja-se a guerra interminável no Oriente Médio, região em que as potências infiltram armas e mercenários, a fim de dissimular revolta do povo).
O TREM é festivo, vibrante, alegre. Ajuda o leitor a refletir e a desenvolver o senso crítico. Oxalá sobreviva por muitos, muitos anos. Sensacional sem ser sensacionalista. Polêmico e escrupuloso ao mesmo tempo.
Depois disso, eis que a editora Autêntica, de BH, encaminhou-me a nova obra de Marco Antônio Tavares Coelho, Rio Doce – a Espantosa Evolução de um Vale (2011), um dos mais importantes trabalhos jamais publicados no Brasil sobre a exploração do minério em Minas Gerais e sobre a companhia Vale do Rio Doce, sua exportação do ferro e produção do aço. Sem descurar de temas como o genocídio dos índios e como as questões ambientais. Sobre o destino dos “botocudos” deu ouvidos a Ailton Krenak, líder da comunidade Krenak. Acerca da questão ambiental, valeu-se da ajuda de Washington Novaes. O livro aparece recheado de fotos, material iconográfico bastante ilustrativo. Creio que Itabira em peso haverá de sensibilizar-se com a obra de Marco Antônio Tavares Coelho.
Mensagem a Rui Mourão
Como colega de faculdade, companheiro de jornada literária desde 1950, amigo e parceiro de atividades intelectuais do ensaísta e ficcionista Rui Mourão, não posso deixar de aplaudir a organização do Fórum das Letras, especialmente a professora Guiomar de Grammont, pela feliz escolha do autor mineiro, legítimo criador e intérprete da narrativa, para ser, com justiça, homenageado.
Toda a vida de Rui Mourão tem sido pautada pelo estudo da manifestação literária e pela criação de romances capitais da nossa Literatura. Leitores e críticos compartilham na construção da imagem que projeta o escritor na consciência nacional.
Além da mitografia, original, diversificada, gestora de personagens e coletividades pejadas de representação mimética, o narrador de Bambuí entregou-se de corpo e alma à administração da herança cultural do país, expurgando-a da crosta acumulada de autoritarismo e estagnação. Tem ventilado os mananciais da legítima criação artística do Brasil, sem apagar os sinais ultrajantes da dominação. Externa e interna.
Avolumou-se de tal modo a produção literária de Rui Mourão, que é de admirar a capacidade demonstrada por ele no resguardo de figuras históricas e na reflexão acerca da conduta produtiva de artistas, de personalidades públicas que se entregaram à cultura.
No perfil intelectual de Rui Mourão cabem os dois hemisférios da captação do real: a razão e a emoção, pois ele é mestre no saber acumulado e vitorioso agenciador da sensibilidade criativa. Oportuna e merecida a homenagem que lhe é prestada, pois, para lembrar emotivas palavras de Tomás Antônio Gonzaga, as glórias que vêm tarde já vêm frias. Diríamos, complementarmente, que o calor dos contemporâneos ajuda a aquecer as glórias futuras.
Ignácio de Loyola Brandão
Sinto-me à vontade para falar de Ignácio de Loyola Brandão como um caso particular da arte de comunicação. É que o escritor sabe usar à perfeição ambas as formas de expressão linguística: a oral e a escrita. Pois é agradável a qualquer ouvinte ou leitor lidar com a expressão de Ignácio de Loyola Brandão.
A sua exposição verbal guarda atributos da narrativa escrita, assim como os seus textos literários apresentam virtudes da oralidade.
Mas isso não é tão somente uma qualidade inata. É fruto de estudo e de prática da arte de se comunicar. Ignácio de Loyola Brandão logrou encurtar a distância entre a oralidade e a escrita. É que ele adotou o estilo confidencial para dirigir-se a seu público. Ele fala ou escreve como se estivesse se dirigindo pessoalmente a cada ouvinte ou leitor, usando um repertório comum.
Daí o seu estilo próprio, irredutível a qualquer estilo de época. O escritor utiliza os episódios e circunstâncias da sua experiência para se comunicar artisticamente com o público. Essa é a sua armadilha estilística a fim de capturar a atenção dos ouvintes ou leitores. Ninguém escapa de seu poder verbal. Tornou-se um artista refinado, empregando um estilo coloquial, retirado do seu fundo íntimo, existencial. Foi mais longe: fez do humor uma sátira das ilusões germinadas no útero do sistema de exploração do ser humano.
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[Fábio Lucas é escritor e ensaísta]