Wednesday, 18 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

Revista de cabeceira

Entrevistado da primeira edição da revista literária The Paris Review, em 1953, o escritor e crítico britânico E.M. Foster é questionado se escreve todo dia ou somente quando está inspirado. “A segunda opção”, diz. “Mas o ato de escrever me inspira. É uma sensação boa…”

Tal sensação é o que há 59 anos alimenta a Paris Review, que chegou neste mês à edição de número 200. Fundada por um grupo de americanos em Paris, quando a cidade ainda era o refúgio favorito de escritores dos EUA, a PR tornou-se a principal revista literária americana e uma das mais tradicionais e influentes do mundo. Revelou nomes como Philip Roth e V. S. Naipaul e é famosa por entrevistas memoráveis em que autores cometem inconfidências literárias. Além de Foster, o nº 1 apresentava prosadores, entre eles o cofundador Peter Matthiessen, e poetas, incluídos Robert Bly e George Steiner.

Mais extensa, a edição 200 tem configuração semelhante: poesia, prosa, grandes entrevistas (Bret Easton Ellis e Terry Southern), ensaios. “Diria que a revista mudou menos do que o mundo em torno dela”, disse à Folha o atual editor, Lorin Stein.

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Festa e literatura são a receita de editor

Não deve ser fácil suceder a George Plimpton, o lendário cofundador da Paris Review e editor da revista por 50 anos, de 1953 até sua morte, em 2003. Lorin Stein, 38, sabe disso. “Era o homem mais charmoso que eu ou qualquer pessoa jamais conheceu”, afirma, em entrevista, o atual comandante da publicação. Stein é somente o terceiro na função em 59 anos. Da morte de Plimpton até 2010, quando ele assumiu, o posto foi ocupado pelo jornalista Philip Gourevitch.

Vindo de uma passagem exitosa como editor na Farrar, Straus and Giroux, onde cuidou de autores como Jonathan Franzen (que, depois, enfim, falaria à PR, já sob a gestão do amigo), Jeffrey Eugenides e Roberto Bolaño, Stein é apontado pelo mercado editorial nova-iorquino como o nome certo para manter (alguns diriam recuperar) o prestígio da revista. Parte da aposta se deve ao perfil hedonista do novo editor: bom de copo, fumante, cool, boa pinta, elegante e definido em reportagem recente do New York Times como o “novo festeiro da Paris Review”. Sim, pois muito graças a Plimpton, editar a trimestral PR traz consigo um indissociável papel social.

Festas

“George estabeleceu um padrão muito alto como anfitrião. Suas festas (e elas eram muitas) incluíam todo mundo, de Norman Mailer e Mario Puzo a Jackie Kennedy”, lembra Stein. “Aquelas festas conferiam uma mística à Review, atraindo anunciantes e jovens como eu.” Segundo o editor, as festas continuam a fazer parte do estilo da revista, com uma ressalva. “Eu diria que hoje em dia somos abundantes em escritores, críticos e artistas e relativamente escassos em cardeais.”

Stein decerto não descuida da sua função primordial de revelar boa literatura. Na entrevista, apontou os americanos John Jeremiah Sullivan e David Foster Wallace e o sul-africano Damon Galgut como nomes surgidos na Paris Review num passado recente que, acredita, serão lembrados no futuro. Também contou dos desejos não realizados de entrevistas. “Por razões que só eles mesmos conhecem bem, Elmore Leonard, assim como Cormac McCarthy e John Berger, continuam dizendo não.” “Isso é motivo de tristeza para mim. Também J.K. Rowling, que mais do que qualquer escritor atual mudou a forma com que nós no mundo anglo-americano pensamos a ficção, ainda se nega.”

Digital

Embora mantenha as bases da publicação criada em 1953, a Paris Review tem se adequado ao novo mundo. Desde 2011, possui uma edição digital para plataformas móveis como iPad, cuja assinatura anual (quatro números) custa R$ 54,00. No papel, a assinatura sai aos brasileiros por R$ 100, ou R$ 50 um único exemplar, já com taxas.

“Vendemos online todas as nossas novas assinaturas. Nossa versão on-line tem 50 mil leitores por semana. Temos cerca de 200 mil seguidores no Twitter. Somos realistas. E acreditamos na santidade da página”, afirma Lorin Stein.

Dificuldade

Para o leitor brasileiro, a maior dificuldade continua a ser encontrar a revista física aqui – em São Paulo, as principais livrarias não a vendem. Um belo consolo é que no site da PR (www.theparisreview.org) estão disponíveis, na íntegra, todas as entrevistas.

Os amantes do papel têm ainda os livros, seja nos títulos em inglês, seja na recente edição da Companhia das Letras que reúne As Entrevista da Paris Review. O primeiro volume saiu no ano passado (R$ 58, 464 págs.) e traz conversas com Borges, Hemingway, Faulkner, Céline, Javier Marías etc. O segundo virá em maio, e entre os entrevistados estarão Arthur Miller, Nabokov, Elizabeth Bishop, John Cheever, Salman Rushdie e Martin Amis. (Fabio Victor)

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O dia em que eu quase entrevistei George Plimpton

Sérgio Dávila

Eu vi George sendo George numa noite do verão de Nova York, em 2003. Mr. Nova York por excelência, figura icônica da cidade, o criador da Paris Review frequentava, por coincidência cósmica, o mesmo lugar de hambúrgueres que eu. Era o P.J. Clarke’s da Terceira Avenida, mas o legítimo sujinho celebrizado por David Drew Zingg nas páginas deste jornal, não o reduto de bacanas atual, com filial no Upper West Side e no Itaim paulistano.

Plimpton esperava um táxi, e seu 1,93 m de altura, jeitão do personagem principal de Meu Tio, de Jacques Tati, e indefectível chapéu o tornavam reconhecível a léguas de distância. Tomei coragem, apresentei-me e pedi uma entrevista. Ele me passou seu e-mail e disse para procurá-lo em algumas semanas; teria prazer em falar com um jornalista brasileiro – ainda mais leitor assíduo de sua publicação (mas isso Plimpton não sabia).

Ele tinha aparência frágil e usava um sobretudo, mesmo no calor do verão. Nunca escrevi lembrando-o da entrevista. Não houve tempo para isso. Pouco depois, em 26 de setembro, o título me surpreendia no site do New York Times: “Plimpton, escritor e editor, morre aos 76”. [Sérgio Dávila é editor-executivo da Folha de S.Paulo]

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Elegante eternidade do criador ainda anima a criatura

Paulo Roberto Pires

A Paris Review, diz Lorin Stein na carta do editor do número 200, sobreviveu a seu próprio destino de revista literária: deveria sair a cada quatro meses e morrer com a geração que lhe deu à luz. In print há 59 anos, nem sempre foi regular e quase sempre foi sinônimo de George Plimpton, personagem que por 50 anos garantiu à publicação o charme chamuscado nos cinco anos de gestão de Philip Gourevitch e que ainda hoje cintila, aqui e ali, no comando de Stein.

Assim como a Minas de Otto Lara Resende, a Paris Review “está onde sempre esteve” e como sempre foi: antenas ligadas no novo, olho vivo no velho que vale a pena. Inventou um jeito de entrevistar escritor e inventou muito escritor. As históricas conversas viraram livros e, hoje, no site, dão testemunho do que falo, assim como o talento fulgurante de um John Jeremiah Sullivan, jovem estrela do ensaísmo e um de seus editores especiais.

Gosto de imaginar Plimpton, o piradíssimo Harold Doc Humes, o diretor de arte William Pène du Bois e Peter Mathiessen, único sobrevivente do time fundador, pensando a revista no Café de Tournon, Paris circa 1952. Todos americanos, bem-nascidos e candidatos a gênio como o miserável (mas gênio) Joseph Roth, que pouco mais de dez anos antes tinha vivido dois andares acima e também irrigado imaginação naquelas mesas. Mitificação literária? Claro que sim. A revista nasceu disso e assim sobreviveu. Há pouco comprei o número 29, em que se publicou pela primeira vez Lunar Caustic, de Malcolm Lowry. Folheá-la é ter noção de sua importância: ela pulsa tanto na troca de cartas entre Lawrence Durrell e Henry Miller, que morrera naquele 1963, quanto nos anúncios, que misturam a revista literária Olympia e o caretíssimo Plaza Athénée.

Pois a mistura de boemia e burguesia é a cara de George Plimpton, que foi a Paris Review como Flaubert foi Emma Bovary. Destemido repórter de esportes, intelectual na medida em que um editor pode sê-lo, charmeur profissional, foi personagem a tal ponto que Nathan Zuckerman, alter ego de Philip Roth, passa páginas de O Fantasma Sai de Cena lamentando sua morte. “Se alguém houvesse me perguntado: […] ‘Qual de seus contemporâneos vai não apenas escapar da morte mas também escrever de modo espirituoso, preciso e modesto sobre sua própria perplexidade bem-humorada por ter conseguido atingir a vida eterna?’, a única resposta possível teria sido: ‘George Plimpton’.”

Plimpton foi-se em 2003, aos 76. E sua criatura sobrevive, meio perplexa, creio, por sua discreta e elegante eternidade. [Paulo Roberto Pires é editor da revista de ensaios serrote (IMS) e autor de Se Um de Nós Dois Morrer (Alfaguara)]

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[Fabio Victor, da Folha de S.Paulo]