Wednesday, 18 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

A teoria da árvore dos frutos envenenados

Demóstenes vive. Analogamente ao conceito de “homem médio” apresentado por Adolphe Quételet, Demóstenes Torres (DEM) seria uma espécie de político médio. Seria. De inexpressivo senador a cavaleiro templário na batalha contra o mensalão, Demóstenes, com suas lanças verborrágicas e escudos documentais, avançou – num passado nem tão distante – a uma cruzada pela moralidade e a ética na política, tornando-se referência no cenário político como o homem íntegro do DEM, aquele que, pelas aparências, seria o último dos bons a se render, o político paroquial do qual todos esperariam somente, e nada mais além, que o correto; o catedrático da moralidade.

Para surpresa de muitos e empolgação das editorias de Política, Demóstenes Torres está aí como o mais novo fruto contaminado pela corrupção. Acusado de envolvimento em negócios ilícitos com o empresário Carlos Augusto Ramos, o Carlinhos Cachoeira, Demóstenes era uma espécie de lobista de Cachoeira no Senado na tramitação de projetos ligados à exploração de jogos de azar. Político caricato do DEM, Demóstenes esteve no foco das atenções do circo midiático esta semana, e o coro dos articulistas conservadores – por vezes, semelhante a um oráculo com todas as verdades do mundo – não poderia, é claro, perder a oportunidade de alimentar sua [santa] obra contra toda e qualquer imoralidade que afronte os princípios do homem médio, ou, se preferirem, do leitor crítico médio.

Nessa seleta ordem dos articulistas, obviamente surge agora aquele mesmo padrão discursivo de outrora, daqueles tempos em que Demóstenes era o bem e os mensaleiros, o mal. Panos quentes nos ditos do passado, valoração da retidão, da moralidade e da ética, sob o manto ungido da imagem deles próprios – receita básica do manual dos articulistas conservadores.

Fruto envenenado

Mas agora o jogo virou. Demóstenes sujou-se e para satisfação do consumidor da indústria “Mídia Brasileira S.A.”, Demóstenes agora é o picareta, o corrupto do DEM, que deve ser cassado e extirpado da política brasileira. “Estou morto politicamente”, teriam sido as palavras de Demóstenes a pessoas de seu gabinete próximas a ele, no último dia 29/03. Curiosamente, Demóstenes, o fruto contaminado pela farta árvore da corrupção pode ser salvo, ironicamente, por algo semelhante à sua própria conduta.

“Se a árvore está envenenada, seus frutos também o estão; se os meios de colher provas foram ilegais, as provas também o são.” De origem norte-americana, essa, objetivamente, é a teoria da “árvore dos frutos envenenados”, presente na Constituição, especificamente no art. 5°, inciso LVI, que diz que “são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos”. Amparada nesses princípios legais, essa será a manobra que a defesa de Demóstenes usará para anular as provas contra o senador, já que a autorização das escutas era para ouvir Carlinhos Cachoeira. Demóstenes, interceptado, e detentor de foro privilegiado, somente poderia ser investigado pelo STF, o que não fora feito.

Demóstenes, o inocente Demóstenes, está vivo. A mídia, representada aqui pelos nobres articulistas situacionistas, mais uma vez corrobora especulações e o desenvolvimento do senso acrítico da sociedade. Enquanto isso, o senador tende a se safar das acusações graças a condições legais dadas pela Constituição e por uma teoria que personifica o político Demóstenes, mais um fruto envenenado.

***

[Hilbert Reis é estudante de Direito, Ouro Preto, MG]