Saturday, 02 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1312

A parcimônia da imprensa

Nos últimos dias, o envolvimento do então (ainda) senador Demóstenes Torres (sem partido-GO) com Carlos Cachoeira foi o foco dos noticiários televisivos, impressos e nas rádios. Além disso, a cada novo dia noticiam que a atuação de Carlos Cachoeira não se restringia ao senador goiano, mas sim a uma rede de favorecimentos e facilitações eleitoreiras. Entre os beneficiados, o governador do Distrito Federal, Agnelo Queiroz (PT-DF). A ligação do governo do Distrito Federal com Carlos Cachoeira aconteceu entre a Delta Serviços (responsável por 70% dos serviços de limpeza de Brasília) – constatada por intermédio da Operação Monte Carlo, da Polícia Federal – mas, o procurador-geral da República Roberto Gurgel afirmou, no Correio Braziliense (15/4/2012), que não há provas suficientes para incriminar o atual governador do Distrito Federal.

Nessas palavras nenhuma novidade, pois os brasileiros estão acompanhando os fatos na imprensa. O que beira o absurdo é o silêncio da imprensa brasiliense em relação ao quadro político que se está construindo atualmente. O jornal Correio Braziliense, por exemplo, reporta tais fatos, mas não os critica. Como cobrar uma postura reflexiva dos brasilienses perante o quadro político local se a imprensa abre a discussão sobre o problema da corrupção e do sistema eleitoral brasileiro?

Após essa denúncia, iniciou-se novamente a jogatina de demissões e pedidos de renúncia – caso que se tornou rotineiro na última década da política brasileira. O que se torna impressionante é o conformismo da mídia local ao propor um silêncio; ou focar qualquer situação corriqueira, por exemplo, os 52 anos de Brasília. O Correio Braziliense e o Jornal de Brasília se entregam aos joguetes coloridos e partidários, típicos da capital brasileira, ao anularem o papel crítico e reflexivo que a mídia deve apresentar e construir junto ao leitor-espectador. Decorrência de tal postura fomentadora da alienação social do brasiliense é o surgimento de inúmeros discursos nas redes sociais enaltecendo o ex-governador do Distrito Federal José Roberto Arruda.

Estratagema contra a lógica

A mídia brasiliense e os próprios brasilienses estão fomentando o bordão “Rouba, mas faz”, a partir do silêncio da expressão crítica para a atual conjuntura. Como afirma Hannah Arendt, a política faz parte da existência humana, do homem, querendo ou não. Compreende-se que não há uma afirmação sensata sobre o que venha ser política, mas da forma que caminha a política brasiliense torna-se quase obrigatório o papel da mídia e do brasiliense como ferramenta reflexiva e crítica. Retorna-se à preocupação da mídia local de narrar situações empíricas, anulando a complexidade histórica e cultural da política brasileira e seus ranços alicerçados na corrupção na orquestração do governo, além do conformismo perante isso – que beira a cegueira para situações gritantes.

As palavras estão longe de ser uma proposta ao brasiliense (e aos brasileiros) de aderir à pedagogia socrática – o conhecimento liberta. A questão é: até quando nos conformaremos com nomes, ligações, senadores paradoxais, governadores que negam o envolvimento com corrupção etc., se o problema é o nosso modelo de política? Ou aceitaremos a nossa mídia burocratizada, que não propõe o debate público sobre o papel da política no modo de vida do brasileiro? No meio dessas inúmeras acusações e denúncias de corrupção, o brasileiro poderia se indignar e não aceitar mais tais falcatruas.

A imprensa deveria assumir-se como um espaço reflexivo e aberto ao debate, porém ela se configura inerte, imóvel, na falácia. Tal posição corrobora o que escreveu Luis Fernando Verissimo: “No Brasil, a política [e a imprensa] mais parece um estratagema para prevenir contra a lógica”.

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[Francisco Neylon de Souza Rodrigues é psicólogo, presidente do Coletivo GuetUnido e mestre em Educação, Ceilândia, DF]