O artigo publicado pela Folha de S.Paulo com o embaixador da Turquia no Brasil Ersin Erçin é, para dizer o mínimo, pavoroso. Mas não é surpreendente. Nem surpreende a contínua e oficial negação por parte da Turquia do genocídio – sim, esta é a palavra correta – cometido contra os armênios em 1915 (e não foi a primeira vez em que Turquia atentou contra este povo) e muito menos que a Folha abra espaço para isto.
Os turcos, ao menos, reconhecem que milhões de armênios não sumiram do mapa do dia para a noite, mas agora tentam dizer que estavam se defendendo e que, enfim, queriam apenas deslocar milhões de pessoas para sua segurança. Sim, para a segurança dessas pessoas elas seriam forçadas a caminhar por milhares de quilômetros, passando fome e tendo seus corpos despejados em rios quando não pudessem mais andar, ou enterrados em covas rasas. Para os que chegassem à “segurança”, restava o pelotão de fuzilamento. É verdade, mortos não têm o que temer. Estavam seguros.
Diante de tal ameaça interna em tempos de guerra, o governo foi forçado a realocar parte da população armênia para longe da zona de guerra, enquanto vários outros armênios continuaram suas vidas em outras partes do império. Os registros otomanos demonstram claramente que o governo deu ordens para garantir a segurança das pessoas que estavam sendo realocadas. Entretanto, sob condições de guerra exacerbadas por conflitos internos, banditismo, fome, epidemias e por um aparato de Estado decadente, todos esses fatores juntos culminaram em uma tragédia.
Um probleminha causado pela guerra
“Ninguém nega o sofrimento dos armênios. O que é inadmissível à consciência comum é a apresentação unilateral de tal tragédia como 'genocídio'. Pesquisas acadêmicas realizadas por renomados estudiosos provam a inexistência de intenções ou ordens do governo para destruir a população armênia.”
Este trecho do artigo do nobre embaixador me deixa em dúvida. Não sei se solto uma sonora gargalhada ou se choro de raiva frente a tanta loucura. Ele esquece de citar que as “pesquisas acadêmicas” foram realizadas quase exclusivamente pela academia turca, um país em que um jornalista ou acadêmico acaba preso sem julgamento caso defenda posições contrárias às do Estado, ou seja, defenda que houve genocídio armênio ou que os curdos o sofrem hoje. Imparcialidade a toda prova!
A afirmação de que os registros otomanos (tão confiáveis quanto o Sarney ou o registro de lucros do Cachoeira) afirmam que a intenção era garantir a segurança dos armênios – milhões de pessoas em marcha forçada pelo ermo, sem comida e sem parar – mas que, no meio da guerra, as coisas não saíram como deveria é para, no mínimo, fazer rir. Me vem agora a ideia de que Hitler, dirá a Folha em artigo daqui a uma ou duas semanas, baseado na “democracia” de dar voz a genocidas, só queria bronzear os judeus, mas, porque era uma guerra, confundiram o material de bronzeamento com Zyklon B e deu no que deu. Não foi culpa dos nazistas, mas apenas um probleminha causado pela guerra.
Em breve nas bancas.
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[Raphael Tsavkko Garcia é blogueiro, jornalista e mestrando em Comunicação]