Século Diário perdeu um de seus fundadores: morreu, na madrugada deste sábado (21), no Hospital Cardoso Fontes, no Rio de Janeiro, onde estava internado, o jornalista Stenka do Amaral Calado, que durante 11 anos editou o jornal e foi o seu principal editorialista. Stenka entrou em coma na noite de quinta-feira (19/4) e faleceu às 3 horas de sábado (21), por insuficiência respiratória, consequência de um câncer no pulmão. O jornalista deixa quatro filhos.
Militante no jornalismo há 50 anos, antes de atender ao convite do também jornalista e amigo Rogério Medeiros, para juntos fundarem Século Diário, Stenka passou pela imprensa nacional, iniciando sua carreira pelo jornal do Partido Comunista Brasileiro(PCB), Imprensa Popular, atuando depois em O Globo, Tribuna de Imprensa, Estado de S.Paulo eFolha de S.Paulo.
Também atuou no Correio da Manhã, Correio Braziliense, rádio e TV Tupie em empresas de assessorias de imprensa. No Espírito Santo, trabalhou em A Tribuna, na década de 1980, retornando em 1999, para iniciar a empreitada ao lado de Rogério Medeiros. Inicialmente, criaram a revista Século, que em 2000 originou o jornal eletrônico Século Diário.
Durante os doze anos no comando de Século Diário, Stenka foi um agente brilhante e agregador na redação. Mas sua maior façanha foi ter alçado o editorial, comumente pouco lido na grande imprensa, em líder de audiência, e num permanente instrumento de interação com o leitor. Levando-o a comentar, até com certa frequência, que a internet veio para dar a dinâmica necessária na relação jornal regional e população.
O trabalho desenvolvido em parceria com Rogério Medeiros rendeu, em 2010, a publicação do livro Um Novo Espírito Santo: onde a corrupção veste toga, obra que sintetiza a cobertura diária sobre o escândalo de enriquecimento ilícito, nepotismo e corrupção no Judiciário capixaba. O texto de Stenka também recheia o livro Pommerland: a saga pomerana no Espírito Santo, lançado recentemente.
Dono de um texto impecável e sábio na arte de apurar a notícia, a morte do combatente jornalista deixa uma lacuna na imprensa local e nacional. Sem dúvidas, uma perda irreparável.
***
Sempre fiéis
Rogério Medeiros
Durante 12 anos sentados lado a lado numa sala, vivemos juntos o jornalismo que entendíamos ser o mais correto: tratar o fato como ele realmente é. Com essa visão, fundamos uma revista, que demos o nome de Século, e depois, na internet, o jornal Século Diário.
Lembro-me do dia em que fui encontrá-lo no apartamento em que residia em Copacabana, no Rio de Janeiro. Gripado, entendeu a minha presença como a visita de um amigo a um doente. Ele já tinha entrado na casa dos 60 anos e eu caminhava para os 70. Foi quando o convidei para tocar esse projeto no Espírito Santo.
Não me esqueço desse encontro, pois foi definitivo na minha vida afetiva e profissional. Tanto que, desde a hora em que recebei a notícia de sua morte, minha cabeça foi tomada por um filme de longa metragem, em que Stenka é o grande protagonista. Como se fosse a própria história de um homem em busca da liberdade de bem informar e que só viria a conhecê-la na sua plenitude num jornal regional e, ainda por cima, na internet, depois de ter passado pelas principais redações dos jornais nacionais.
Em Século Diário, vivemos juntos uma epopeia, com essa bandeira de que se o fato existe, vamos tratá-lo como ele é. Na prática, não foi tão simples, ainda mais numa terra em que os fatos são torneados de acordo com o poderio dos implicados.
Na partida dele para o Rio de Janeiro, onde tinha inclusive consciência de seu estado de saúde, Stenka lembrou do custo da lealdade ao fato: um caminhão de processos judiciais que acumulamos. Como réus, frequentamos as varas do judiciário capixaba, principalmente as criminais.
Ele nunca se intimidou diante de um juiz ou de uma ameaça de morte. Às vezes, eu achava que o tinha trazido para uma fria. Até que um dia resolvi colocar a minha angústia em tê-lo tirado de uma confortável condição no Rio de Janeiro, para viver em eterno risco num jornal de internet no Espírito Santo.
Mas, não era assim que Stenka entendia. Para ele, vivia em Século Diário a plenitude do jornalismo. “Aqui sou livre, zelo pelo fato e entendi o alto custo em preencher a corriqueira lacuna entre o fato e a sua realidade”.
Mas dizia-se ainda um jornalista altamente recompensado, pelo fato de negar acolhida às elites capixabas e pela oportunidade que também teve no jornal de revelar a corrupção do Judiciário, que virou um livro que fizemos juntos: Um Novo Espírito Santo: onde a corrupção veste toga. Como também ajudou a construir a posição do jornal em defesa dos índios e dos quilombolas, e o seu compromisso com o meio ambiente.
Mesmo doente no Rio de Janeiro, Stenka exigia que lhe fosse enviado pela internet o material diário de Século para ele copidescar e os assuntos para definição do editorial da edição. Só deixou de fazê-lo quando iniciou a quimioterapia.
Mas essa ida para a capital fluminense foi providencial. Pois viveu o seu momento final no calor do afeto de sua família. Para nós, de Século Diário, que ele nos legou, fica o mistério de entender a sua partida. Mas com a convicção de que os seus ensinamentos ficarão para sempre. Não só no que diz respeito ao texto, do qual ele foi uma dos maiores mestre da imprensa brasileira, mas, sobretudo, no que diz respeito à fidelidade ao fato.
Seremos sempre fiéis, Stenka.
***
“Mais do que um colega de profissão, Stenka do Amaral Calado sempre foi para mim um grande professor. Aquele que nunca economizou em ensinar, e ensinar com prazer, durante todos esses anos de convivência. Guardo com zelo e gratidão cada palavra, dica e truque passados por ele, que aplico no exercício diário da prática jornalística. Um amigo de sensibilidade ímpar e características marcantes. Deixa muitas saudades”. (Manaira Medeiros)
“Minha trajetória no jornalismo teve início sob olhar – e orientação – do nosso diretor de redação e editor, Stenka Calado do Amaral. Desde o primeiro texto, ainda em 2006, seus conselhos, elogios e “puxões de orelha” me ajudaram na arte de escrever – o que nosso saudoso colega sabia fazer de melhor. O ápice desta jornada foi a cobertura dos desdobramentos da “Operação Naufrágio”, que teve início naquele fatídico dia 9 de dezembro de 2008, que resultou no livro “Um Novo Espírito Santo: onde a corrupção veste toga”, em 2010. Trabalho que continuará a ser feito, desta vez, sem o nosso companheiro de lutas. Uma grande perda para Século Diário e para o bom jornalismo”. (Nerter Samora)
“Stenka me ensinou não a amar o jornalismo, mas a amar e ponto. Isso ele ensinava através de seu texto, era repleto de sentimento, de vida. Ele ensinou que se quer dizer, se deve dizer de forma simples, correta e direta. Mas, acima de tudo, Stenka me ensinou que independentemente do tempo, das dificuldades, das negativas, de tudo que possa ser contrario, é preciso amar e inevitável amar”. (Renata Oliveira)
Lembro-me, sobretudo, da expressão séria e sisuda – embora o Stenka não tivesse uma alma exatamente séria e sisuda. Bem diferente disso. Era brincalhão e zombeteiro, sabia rir das coisas. No entanto, lembro-me ainda mais vivamente dos textos. Quando se punham a questionar, criticar, acossar – enfim, bradar contra os males que há anos assolam essas terras capixabas – eram de uma força e precisão devastadoras. Meus sentimentos a quem já sentiu o murro miketysoniano daquelas palavras. (Henrique Alves)
“Perdemos uma cabeça única. Um homem que sempre atingiu a veia de quem se fazia de morto”.(Flávia Bernardes)
“Meu querido tio comunista, um incentivador e grande companhia. Tive a sorte de iniciar minha vida profissional ao seu lado. Fica minha saudade, o sentimento de perpetuar todos os seus ensinamentos e, principalmente, o amor pelas causas que valem a pena. Com certeza, para nós, de Século Diário, que tivemos a sorte de conviver com o mestre, fica a obrigação de sempre se indignar e sentar a caneta na elite caipira burguesa capixaba, de toga e similares. Como sofremos juntos pelo Flamengo naquele corredor…” (Apoena Medeiros)
“Ao camarada Stenka,
Acordei com o telefonema de Rogério Medeiros anunciando o que mais temíamos nas últimas semanas: “O nosso Stenka morreu!”. Perdi o fôlego por uma eternidade de alguns segundos. Depois, tentando me refazer, lembrei-me de suas palavras na última vez em que nos vimos, ainda na redação de Século Diário, antes de sua última viagem para o Rio: “Guimarães Rosa disse que ‘viver é muito perigoso’. E sobrevivemos por que nunca tivemos noção do perigo”.
É isso aí, camarada! Partilhar esses sonhos, desejos e utopias de nossa geração, num tempo dramático e belo do Brasil, só se explica por sua tardia e indelével conclusão. E, desde aqueles dias estranhos, quando muitos companheiros beijavam a face da eternidade e seus corpos não tinham direito à sepultura, aprendi com sua coragem, seu texto, sua dignidade, seu caráter e sua honra que era preciso resistir. Mas só agora me dei conta da razão de nossa sobrevivência.
Recentemente, quando o Estado do Espírito Santo foi tomado pela tirania de um anacrônico imperador que deixou grassar a desfaçatez para se tornar inimputável, o reencontrei na trincheira da notícia com a mesma disposição daqueles anos de chumbo. Hoje, com uma imprensa capixaba – em sua maioria – vendida e pusilânime, criar e manter um veículo de comunicação com a qualidade e o comprometimento de Século Diário é colocar em prática a velha razão de nossa existência. E, sobretudo, sem temer a inanição.
Foi um enorme prazer conviver com sua história, meu camarada!” (Maciel de Aguiar)
“Quando, pela internet, descobri Século Diário, fiz contato com Stenka, que era editor-chefe. Enviei um breve currículo, revistas que eu editava com meu irmão e algumas crônicas que eu já havia publicado na imprensa da Paraíba, meu Estado natal. Em 2003, cheguei em Vitória. Sorridente e hospitaleiro, ele me recebeu de braços abertos e me apresentou a Rogério Medeiros e a toda a redação. O que mais me ligou a Stenka foi o fato de eu querer conhecer outras realidades, me desligar fisicamente do seio familiar e cultural, para experimentar outro crescimento jamais sonhado. Ele dizia que isto era alma de repórter. Atualmente, continuo jornalista, sou professora do ensino superior privado e estou casada e feliz com um capixaba. Venho conquistando muitos amigos no Espírito Santo: os que nasceram aqui, os que cresceram, os agregados e os apaixonados. Grata pela confiança, Stenka! (Cristina Moura)
“Lamentavelmente, abro a página de Século Diário na internet, na manhã cinzenta deste domingo (22), e me deparo com a inesperada notícia da morte do companheiro Stenka. Quase não dá para acreditar, não fosse um fato consumado. Stenka que o conheci ainda no início dos anos 70, em A Tribuna, onde comecei a profissão de jornalista, sempre foi um parceiro e companheiro exemplar. O verdadeiro sentido do jornalista parecia percorrer as veias do Stenka, dono de um texto brilhante e irreparável. Conselheiro quando preciso fosse, mas sempre de forma carinhosa e respeitosa. Em Século Diário convivi mais intensamente com Stenka, onde reaprendi o verdadeiro sentido de fazer jornalismo, sem amarras e compromissos com quaisquer autoridades ou gente de negócios.
Por diversas vezes, entre um cigarro e outro, parei para ouvi-lo no corredor do prédio sobre fragmentos de sua saga na profissão de jornalismo, e, por que não, de suas convicções político-ideológicas. Com a morte de Stenka do Amaral Calado, Século Diário perde um grande homem, um grande companheiro, mas, acima de tudo, uma referência do significado do que é fazer jornalismo. Uma página do jornalismo capixaba e nacional acaba de ser virada, após a morte do amigo e companheiro Stenka. Peço a Deus que dê ao irmão Rogério Medeiros o conforto necessário para suportar perda tão grande.” (Rossini Amaral)
“Stenka não media esforços para nos fazer alcançar a excelência. Professor dedicado, deixa um vazio na vida daqueles que tiveram o privilégio de conviver e aprender com ele”. (Lívia Francez)
“Há exatos cinco anos, quando entrei pela primeira vez na sala de Rogério Medeiros para acertar minha inclusão na equipe de Século Diário, me deparei com uma figura sisuda que se sentava, nao por acaso, à direita de Rogério, que encheu a boca e estufou o peito na hora de apresentá-lo: “Este é o Stenka, o nosso editor. Já passou pelas principais redações deste País”. Acanhado com o elogio, Stenka levantou a cabeça levemente do teclado e pendulou o pescoço para me cumprimentar. Embora seco à primeira vista, não o vi como um sujeito ranzinza. Mais tarde confirmei que estava certo. Stenka era um cara cheio de humor, mas que guardava para usá-lo na hora certa. Ele gostava de entrar repentinamente na Redação e soltar uma troça “malvada”. Quando não, contava uma história pitoresca que os dinossauros do jornalismo como ele conheciam. À sua maneira, cada um de nós que teve o privilégio de conviver com essa figura insigne vai carregar consigo o melhor do Stenka, que, com certeza, continuará entre nós”. (José Rabelo)
Leia também
Meio século de intimidade com as pretinhas – Geraldo Hasse (Observatório da Imprensa, 27/7/2010)