Com as ações de divulgação científica ganhando cada vez mais peso no meio acadêmico, a relação entre jornalistas e pesquisadores parece mudar para melhor. Mas é preciso ter em mente que cientistas eminentes não são autoridades em todos os assuntos. O alerta foi feito pelo biólogo Thomas Lewinsohn, professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), durante sua participação no seminário Ciência na Mídia, realizado pela Fapesp no dia 16 de abril. “Antigamente os pesquisadores davam muito peso para publicação em revistas científicas, o que lhes garantia prestígio acadêmico e financiamento, e quase nenhuma atenção à divulgação científica, que servia apenas para aumentar a popularidade. Hoje estamos perto de um equilíbrio entre os dois ramos”, afirmou.
Percebeu-se que, além de popularidade, a exposição na mídia afetava também a influência e o poder de decisão no meio acadêmico, aumentando as chances de ter um projeto financiado e, consequentemente, elevando o prestígio acadêmico. Um exemplo claro do novo paradigma, segundo Lewinsohn, é a mudança no sistema de avaliação dos cursos de pós-graduação pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). “Hoje se dá um peso maior à visibilidade do trabalho dos cientistas que compõem os quadros”, avaliou.
Outro sinal é a transformação pela qual as mais importantes revistas científicas, entre elas Science e Nature, passaram nos últimos anos, ganhando novas seções com conteúdo noticioso e linguagem mais acessível. “Está se tornando impossível para o cientista ignorar a mídia. Muitos hoje cortejam os jornalistas e isso dá margem a distorções. Existe uma ideia de que o cientista terá sempre uma opinião racional e bem embasada sobre tudo e isso não é verdade”, afirmou o biólogo.
“Como empacotar a notícia?”
Por esse motivo, recomendou, os jornalistas devem resistir ao impulso de, na correria das redações, recorrer sempre àquela fonte que tem respostas para todos os temas. “Alguns têm uma agenda pessoal, que nem sempre tem a ver com a ciência.” Durante sua apresentação, o médico Paulo Saldiva, da Faculdade de Medicina da USP, reclamou do fato de que a maioria dos jornalistas que o procura querer falar de temas que não têm relação com sua área de estudo: os efeitos da poluição atmosférica sobre a saúde. Outro problema abordado por ele foi o pouco tempo dispensado aos temas e o risco da superficialidade. “Você fala durante meia hora e aparece apenas dez segundos. Esse é o maior pavor dos cientistas”, acrescentou Saldiva.
Para o biólogo Fernando Reinach, que se tornou conhecido após participar do Projeto Genoma, financiado pela Fapesp, e hoje mantém uma coluna de divulgação científica no jornal O Estado de S. Paulo, o grande problema do jornalismo científico é “contar o milagre e não contar o santo”. “Dá-se muita ênfase à descoberta e não se explora bem os métodos usados. Isso dificulta avaliar se o que está sendo dito é verdade”, opinou. Reinach contou que após deixar a vida acadêmica manteve o hábito de ler artigos científicos e idealizou a coluna no jornal por considerar que havia muitos temas interessantes escondidos atrás de títulos obscuros. “Tenho o cientista como personagem. Tento dar uma dimensão humana à pesquisa”, revelou.
Já o editor de Ciência do jornal Folha de S.Paulo, Reinaldo José Lopes, falou sobre o encolhimento do espaço nos jornais para as notícias em geral e para ciência em particular. “Como empacotar a notícia, a metodologia e o lado humano em meia página? A gente sente uma impaciência do leitor que é assustadora e isso acaba conduzindo à superficialidade”, disse.
“Cientistas devem se ater à ciência”
O encontro ainda teve a participação de Roberto Wertman, editor do programa Espaço Aberto Ciência & Tecnologia da Globonews, que comentou as limitações da cobertura científica na TV, extremamente dependente da existência de imagens. E de Sonia López, ex-editora do AlphaGalileu, um dos maiores portais de notícias acadêmicas. A abertura ficou por conta de Clive Cookson, editor de Ciência do jornal Financial Times, que listou os três principais problemas que, em sua opinião, afetam a qualidade do jornalismo científico. Em primeiro lugar, Cookson mencionou a tendência de abordar os resultados de pesquisas de forma exagerada e sensacionalista. “O repórter precisa convencer seu editor de que vale a pena publicar aqueles dados e a verdade científica às vezes acaba em segunda plano. E quando o subeditor escreve a manchete a notícia fica ainda mais exagerada”, comentou.
Outro problema é a tendência de abordar os dados de forma negativista, o que pode causar distorções. “A ideia é que notícia ruim vende mais”, disse. Por último Cookson mencionou a divulgação de notícias não objetivas, permeadas de interesses políticos. “Cientistas devem se ater à ciência. Mas mesmo em situações controversas devem aproveitar para passar sua mensagem. Se deixarem um vazio, fontes com motivações políticas podem se aproveitar.”
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[Karina Toledo, da Agência Fapesp]