Todos já sabem que Dilma Rousseff está cada vez mais popular. Muito foi escrito sobre a influência da estabilidade econômica na taxa de aprovação. Mas um fato novo e de razoável relevância tem sido negligenciado: Dilma é a mais bem tratada presidente da República em muitas décadas em programas humorísticos na TV.
Dos globais Zorra Total e Casseta e Planeta Vai Fundo ao Pânico, da Band, os atores e humoristas enfatizam exatamente os aspectos mais favoráveis à petista: durona, mandona, enérgica.
Com ex-presidentes recentes a história foi outra. No extinto Casseta e Planeta Urgente, Luiz Inácio Lula da Silva encarnava o brasileiro fanático por futebol e cometia erros de português. Às vezes, era o “Luiz Pancadácio Lula da Silva”; em outras, “Luiz Caipirinácio”.
Esse tom derrogatório também surgia nas caricaturas de Fernando Henrique Cardoso. O tucano costumava ser retratado como um intelectual almofadinha com gosto pelas viagens internacionais, resmungão (“assim não pode, assim dá”) e com pouca disposição para o trabalho duro. Ele era o “Viajando Henrique Cardoso”.
As sátiras a Itamar Franco enfatizavam seu apreço pelo pão de queijo e pelo Fusca, que ajudou a ressuscitar, e sua ingênua trajetória de Forrest Gump que foi parar no Planalto por um golpe de sorte. Em suma, para os humorísticos, Itamar era um bobo acidental no poder. Fernando Collor e José Sarney, sempre encrencados com a política e a economia, apanharam sem dó.
Já Dilma desfruta de algo que os publicitários chamam de “mídia espontânea positiva”. A petista aparece pouco. Quase nunca se esforça para ser simpática, mas quando é retratada ocorre um paradoxo: parte da mídia busca ressaltar aspectos bons, desprezando o lado mais negativo. Como dizem os franceses, a presidente é midiática malgré soi, isto é, “a despeito de si mesma”. Nos programas de humor da TV, esse tratamento benevolente chega ao paroxismo.
O fato é raríssimo na política brasileira e foi registrado num dado ainda inédito da pesquisa Datafolha dos dias 18 e 19 abril, com 2.588 pessoas em todo o país e margem de erro de dois pontos percentuais. O levantamento mostra que 64% dos brasileiros já assistiram a algum tipo de imitação a Dilma na TV. As sátiras são veiculadas em atrações recordistas de audiência, em horários nobres.
Arretada
As caricaturas na TV reforçam positivamente uma característica que Dilma acredita possuir e mais gosta de difundir: ser intransigente, porém justa e correta.
Nesses esquetes, ela dá bronca, mas pode concluir mandando um “beijo na alma” de quem foi alvo da carraspana. Como diz o governador da Bahia, Jaques Wagner (PT), “ela está com uma imagem de mulher arretada” – um regionalismo do Nordeste que “expressa hiperbolicamente conceitos positivos sobre alguém”, como explica o dicionário Aulete.
Os atores e humoristas do Zorra Total, do Casseta e do Pânico enfatizam esses traços de personalidade favoráveis. E mesmo que Dilma seja pintada como autoritária, 56% dos entrevistados pelo Datafolha consideram os humorísticos bons ou neutros para ela.
Num recorte da pesquisa isolando só os que já assistiram a alguma imitação de Dilma na TV, expressivos 71% respondem que as sátiras são iguais ou mais positivas do que as feitas com Lula.
“Os humoristas são os primeiros a absorverem com talento e criatividade o que o povo fala nas rua”, diz o publicitário Sérgio Amado, presidente do Grupo Ogilvy no Brasil. “Eles não mentem, nem o povo. Retratam com fidelidade o momento da presidente.”
Dilmaquinista
A matéria-prima dos humoristas são os estereótipos propagados por Dilma e sua equipe. É raro ir a uma conversa reservada no Planalto e sair dali sem uma história sobre broncas distribuídas a granel pela presidente.
No Zorra Total, líder de audiência nas noites de sábado – média de 20 pontos na Grande São Paulo em abril, segundo o Ibope –, a presidente é Dilmaquinista. Cada ponto equivale a 60 mil domicílios. O programa inteiro é ambientado num trem capitaneado por ela. Às vezes, de maneira subliminar, Dilma é até protegida. Há uma abordagem respeitosa. No Zorra de 5 de maio, Dilmaquinista foi assustada por um zumbi. Em seguida, veio um coro: “Tenho certeza que foi a oposição que enviou…” Ou seja, Dilma é do bem e a oposição só existe para atrapalhar.
No mesmo Zorra Total, Lula volta e meia aparecia de pijama, com ar esculachado. No final do segundo mandato, o Lula do Zorra dava conselhos ao então ditador da Líbia, Muamar Gadafi: “Reúne a imprensa toda e diz que você não sabia de nada.”
Fabiana Carla, a atriz que faz Dilmaquinista, acha que “certamente os telespectadores se sentem mais próximos da presidenta através da personagem”. Para ela, o público percebe “a crítica sendo colocada de uma forma mais amena, e a Dilmaquinista vira porta-voz do povo”.
No Pânico na Band, ao ar nas noites de domingo, com média de 10 pontos em abril, e reprise na sexta, entra em cena Dilma Do Chefe, ou seja, “do Lula”. No programa de 29 de abril, uma simpática Do Chefe fazia perguntas bem-humoradas a quem saía da sessão de estreia de um filme sobre a própria presidente.
Engole esse choro
A mais engraçada das “Dilmas” é a do Casseta e Planeta Vai Fundo, na Globo, que passa no final das noites de sexta, com média de 14 pontos no Ibope em abril. Interpretada pelo ator Gustavo Mendes, Dilmandona Roskoff distribui broncas e ordens a torto e a direito, muitas vezes pelo telefone. A ideia nasceu na internet, no site Kibe Loco. Foi encampada pelos Cassetas na reformulação de seu programa, sem os palavrões da versão na web, mas com “total liberdade criativa”, diz o ator.
Vários quadros sobrevivem no YouTube, como o que a presidente conversa com Guido Mantega, ministro da Fazenda. “Eu vi esse filminho e achei que é engraçado. Eu ouvi dizer que ela [Dilma] olhou e achou engraçado também”, relata o ministro.
“Que porra é essa de inflação de 6%?”, berra Dilma, ameaçando Guido Mantega: “Eu sei onde você mora, seu fdp!” Pouco depois, maternal, ela encerra o telefonema: “Guido, engole esse choro. Você não tem que chorar, tem que resolver. […] Vou aguardar seu retorno. Beijo na alma, fica com Deus.”
Na Globo, a Dilma representada por Gustavo Mendes ficou mais família. Escoimou os expletivos, mas manteve a mescla de autoritarismo e tom fraternal. No programa de 11 de maio, a presidente aparece mais humanizada, numa espécie de “correio sentimental”. Lê uma carta de uma personagem fictícia, a mineira Suelen Tatyene, noiva há sete anos que não consegue casar. Emocionada, Dilmandona telefona para o ator.
Murilo Benício:
“Eu queria que você casasse com ela… Não… [levantando o tom de voz] Não tô pedindo. Tô mandando.”
Decidida
No levantamento de abril do Datafolha, há dados que seriam considerados improváveis antes de a petista se tornar presidente: os brasileiros acham Dilma mais inteligente do que Lula ou FHC. E também muito simpática e mais decidida. Todos atributos reforçados nos programas de humor na TV.
No Datafolha, Dilma é considerada “muito inteligente” por 84% dos entrevistados. Lula chegou a 65% em igual período do mandato. De FHC só há dados da segunda administração (1999-2002), quando era considerado “muito inteligente” por 67%.
A presidente é vista como “simpática” por 81% e como “decidida” por 82% dos brasileiros. As taxas de Lula, no mesmo período, eram de 86% e 65%, respectivamente.
Um aspecto chama a atenção. Apesar de ter sancionado a Lei de Acesso à Informação e de ter dado posse à Comissão da Verdade, Dilma é percebida como “democrática” por 51% dos eleitores. A taxa de Lula era de 63% depois de um ano e três meses no Planalto.
“A grande massa não entende democracia do ponto de vista formal, mas do ponto de vista social”, nota Leôncio Martins Rodrigues, cientista político da USP.
Para os brasileiros, o Bolsa Família criado por Lula contaria mais do que uma lei civilizatória sobre acesso à informação sancionada por Dilma. Por outro lado, explica Leôncio, “talvez o que pode ser um pouco de autoritarismo seja visto até como positivo pela maioria”.
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[Fernando Rodrigues, da Folha de S.Paulo]