Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Sobre o assassinato

A imprensa tem sido amável e discreta com Elize Matsunaga; reproduziu o diálogo entre ela e seu (ex?)marido do jeito que ela contou, claro, já que não havia ninguém presente além dos dois. Ok, jornais e revistas devem ser imparciais, mas existe limite para tudo; em certos casos, até para a imparcialidade.

Marcos Matsunaga estava traindo Elize? Estava, e se todas as mulheres tivessem o direito de matar os maridos que as traem, sobrariam poucos para contar a história. Ele ameaçou tirar a guarda da filha dela? Todos dizem isso na hora da separação. Foi encontrar a nova namorada no carro (dado por ele) de Elize? Razão para uma certa simpatia pela mulher traída: um absurdo ele usar o carro da própria mulher para sair com a outra. Ela estava visitando a família no Paraná, com a filha e a babá, enquanto ele a traía? Mais digna de simpatia ainda. Seu marido presenteou a nova namorada com um carro? Repetiu o que havia feito com Elize quando a conheceu, ainda casado.

Na hora da briga ele a chamou de prostituta? É melhor mesmo que ninguém se lembre nem do que ouviu, nem do que falou nessa hora, tudo faz parte. Não costumam ser coisas amáveis, mas há muitos que esquecem e até fazem as pazes depois. Ele a agrediu fisicamente? Nenhuma novidade, também costuma acontecer.

Na vida real, muitas mulheres que se sabem traídas – e sobretudo as que têm uma prova, como o vídeo feito pelo celular – têm vontade de matar. Algumas até matam; a maioria, não, mas que muitas têm vontade, isso têm. As que matam costumam ser rápidas; mulher não gosta de ver sangue.

Capacidade de indignação

Segundo os jornais, Elize vai ser acusada de assassinato e ocultação de cadáver; não por esquartejamento – esse detalhe não deve existir no Código Penal, como também não deve existir a antropofagia, coisas inadmissíveis na cabeça dos que fazem as leis. A morte de uma pessoa querida é sempre dolorosa; se for uma morte violenta, mais dolorosa ainda. Se seguida de esquartejamento, nem dá para imaginar o que deve ter sentido a família de Marcos Matsunaga na hora do enterro. Não existem palavras para avaliar essa dor.

A frieza de Elize é monstruosa. Eu teria medo de deixá-la sozinha com a própria filha, pois ela parece capaz de tudo e não sei se existe um nome para definir uma doença tão, tão – nem sei o quê. Crimes como esse, confessados e comprovados, não merecem nem julgamento. Não gosto de pensar no que seus advogados vão dizer na tentativa de absolvê-la; nessa hora, advogados são capazes de tudo. E choca ver que as pessoas não estão dando muita importância ao caso e que estão tratando Elize como uma pessoa quase normal, com o respeito que se deve dar a qualquer ser humano; só que ela não é um ser humano – é um monstro, e monstros devem ser tratados como tal.

Em outros tempos, certos crimes davam manchetes, e até nomes aos assassinos; quem já era nascido deve lembrar da “fera da Penha”. Nem lembro mais quem ela matou, mas de como ela era chamada não esqueci. Por que será que um crime tão hediondo como o de Elize quase não mobiliza ninguém, nem numa conversa entre amigos?

Está faltando a capacidade de se indignar, e isso é preocupante.

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[Danuza Leão é colunista da Folha de S.Paulo]