Saturday, 16 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

Um tributo a Gay Talese

Não estou entre aqueles que acreditam que Policarpo Junior (e a alta direção da Editora Abril/revista Veja) desconheciam as relações, mais do que promíscuas, entre Carlinhos Cachoeira e Demóstenes Torres, mas acho que os senadores, de maneira geral, levavam a sério a máscara do tal “mosqueteiro da ética”. Não foi à toa que 44 de seus pares – logo no início do vazamento das denúncias contra ele – pediram apartes para testemunhar a confiança que tinham naquela reserva moral da nação.

Também tenho certeza de que, tivesse sido outro o seu destino, Demóstenes teria sido um excelente ator de teatro. Mais convencido ainda de que o inferno astral do ex-senador, hoje procurador de Justiça do estado de Goiás – mesmo com seu salário de 24 mil reais (maior que a pensão alimentícia da ex-mulher do Collor), dois assessores e uma sala com seu nome na porta – está apenas começando. Convencido, sim, embora admita a hipótese de estar redondamente enganado.

Para mim, a bem ajustada – para não dizer colada – máscara durante anos utilizada pelo cidadão Demóstenes Torres, máscara esta que lhe permitiu veleidades de pretender, como seu amigo Gilmar Mendes, uma vaga de ministro do Supremo Tribunal Federal ou até mesmo concorrer e tornar-se, como Collor conseguiu, presidente da República (teria, como Collor teve, o apoio da Veja e da Rede Globo) – ao cair, ou melhor, ao ser abruptamente despregada de seu rosto pelas consequências da Operação Monte Carlo, mais que a reputação, levou com ela uma parte de sua alma.

Imagem destroçada

Se eu pudesse, se o meu dinheiro desse e se o ex-senador consentisse, gostaria de fazer o que eu reputo a reportagem da minha vida. À la Gay Talese [Gay Talese esteve, recentemente, no Brasil e é um dos criadores do movimento que foi batizado de Novo Jornalismo, criado na década de 60, que incorporava no jornalismo características de literatura], faria de tudo para seguir bem de perto, durante o tempo que julgasse necessário – meses, ou até anos– as pegadas do hoje procurador de Justiça do estado de Goiás. Como Talese, que se aproximou de Bill Bonano, filho de um capo di famiglia não para julgá-lo, mas para melhor reportá-lo, para entender o que estava ocorrendo com ele, eu faria coisa semelhante com o decaído ex-senador, não para chutar um cachorro morto, mas para entender melhor a pessoa que atende pelo nome de Demóstenes Torres.

Aqui alguns poderão questionar se não se trata apenas de um sadismo de minha parte, esta curiosidade jornalística. Confesso que esta ideia me passou pela cabeça, mas devo afirmar que não se trata disso: ela se explica por querer saber como reage uma pessoa, um ser humano instruído e civilizado, como, sem dúvida, é o caso, quando vê destroçada a sua imagem pública laboriosamente construída, embora falsa. Será que Demóstenes Torres ao olhar no espelho hoje se enxerga a mesma pessoa que via antes da queda?

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[Joca Oeiras é jornalista]