Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O mensalão na hora da verdade

STF

Depois de uma longa espera nas gavetas da justiça, começou a ser julgado na quinta-feira (2/8) pelo Supremo Tribunal Federal (STF), em Brasília, o processo do chamado mensalão. Considerado por alguns como o maior escândalo político do ciclo republicando nacional, o esquema de compra de votos sacudiu o primeiro mandato do presidente Lula mas não diminuiu sua popularidade. Para amenizar as acusações formalizadas pela Procuradoria-Geral da República, os principais acusados do esquema alegam não ter havido desvio de recursos públicos e nem pagamento de propina para as bases aliadas. O que houve, segundo eles, foi “apenas caixa dois de campanha”, o que não seria um crime tão grave já que todo mundo o pratica no Brasil.

Acusado de ser o chefe da quadrilha que mamou no esquema forjado pelo publicitário mineiro Marcos Valério, o ex-ministro da Casa Civil, José Dirceu, voltou aos tempos de líder estudantil para pedir a ajuda dos universitários. Como se ainda vivêssemos sob uma ditadura, ele os conclamou recentemente a saírem às ruas em sua defesa.

Lula, por sua vez, teria tentado pressionar o STF através do ministro Gilmar Mendes, que colocou a boca no trombone dizendo-se chantageado. De formação pedetista, a presidenta Dilma, por sua vez, mantém postura discreta, mostrando-se mais interessada em governar o país do que em fazer proselitismo político.

Eminência parda

Acuados pelas evidências do crime que foi exaustivamente investigado pela CPI do Congresso Nacional, os envolvidos se dizem vítimas da oposição, que estaria em conluio com a mídia elitista. A maioria aposta na falta de memória do povo ou adota o comportamento típico da criança traquina que, ao ser surpreendida fazendo coisa errada, logo se apressa em culpar o irmão mais próximo.

Será que a essas alturas do campeonato alguém acredita de coração que realmente não houve mensalão em Brasília? Será que a vasta documentação reunida pelo procurador-geral da República e examinada pela CPI do Congresso não passa mesmo de um monte de calúnias? Quem poderia defender essa tese sem atentar contra a inteligência média dos brasileiros? O mais arrepiante nesta história foi a atitude de Pilatos adotada pelo então presidente da República. Em pronunciamento em cadeia nacional, ele falou que os fatos denunciados deveriam ser apurados e que seu partido, o PT, devia, sim, desculpas à nação.

Contudo, pressionado pelas evidências, Lula afirmou não saber de nada e tampouco se moveu no sentido de punir os possíveis traidores que abusaram de sua confiança no poder. Pelo contrário, o ex-ministro e deputado federal José Dirceu teve o mandato cassado mas continuou atuando como estrategista do governo e eminência parda na direção do partido.

Julgamento técnico, e não político

Depois do auge das investigações, o mensalão deixou de ser notícia e deu lugar a outros escândalos que também tomaram a mídia de assalto. Entre eles, destaca-se o recente caso do bicheiro Carlinhos Cachoeira, envolvendo políticos de vários partidos, inclusive os governadores do Rio, Goiás e Distrito Federal.

Pelo visto, no toma-lá-dá-cá das legendas de aluguel, a política continua sendo feita nos bastidores da história oficial e à revelia dos eleitores, que são lembrados apenas na hora do voto. Espera-se que este ano a massa dê uma boa resposta nas urnas municipais, mesmo que seja com o voto nulo, estratégia de protesto defendida pelos mais indignados.

O que no momento mais nos surpreende é o fato de algumas pessoas dizerem que o julgamento do STF deverá ser técnico, e não político. Parece óbvio que não poderia ser diferente. Afinal de contas, não cabe aos ministros do Supremo – mesmo que a maioria tenha sido nomeada pelo presidente Lula – fazer política, e sim, justiça, pura e simplesmente. De outra forma, melhor seria desproclamarmos a República e devolver o poder à família real com pedidos de desculpa.

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[Jorge Fernando dos Santos é jornalista e escritor, Belo Horizonte, MG]