Desde criança gosto de esportes, tendo tentado a prática amadorística de algumas modalidades no passado. Hoje me satisfaço com bem menos. Assistir Às Olimpíadas, por exemplo, praticamente supre toda minha ansiedade atual por competição esportiva. Para mim, todos ali são heróis, mas para a crônica especializada parece que a coisa não é bem assim.
Heróis, haveriam poucos, só os grandes vencedores mereceriam essa denominação. Ou então aqueles que, estropiados pela fadiga, reúnem forças a partir de algum lugar remoto do próprio corpo ou do espírito e vencem percursos naturalmente intransponíveis ao custo de sobrepujar os limites físicos e desafiar a resistência humana. Mas, enfim, eles próprios parecem satisfeitos com seus feitos e, sem dúvida alguma, estão satisfazendo a muitos consumidores da adrenalina e sofrimento alheios.
A coisa toda é um espetáculo, não fosse a imensa discriminação desportiva instalada principalmente através do jornalismo esportivo, que se resume praticamente num jornalismo de celebridades focado nos heróis, “gênios” e superstars do esporte. Não vai muito além disso. Estava assistindo a um desses jogos de basquete, minha modalidade preferida, e percebi pelos comentários televisionados que se trata de um reduto de gênios – isso mesmo, gênios, principalmente os da equipe norte-americana. Assim como são alguns futebolistas da equipe brasileira, alguns cavaleiros do hipismo, atletas da vela, do tênis e de alguns outros gêneros, principalmente entre aqueles esportes cujos exponentes são milionários, ou seja, meia dúzia deles.
Pessoas coisificadas
Portanto, está lançado o desafio de encontrar-se ao menos um gênio do arremesso de martelo, do badminton, do levantamento de peso ou até mesmo da ginástica rítmica (na artística, com bom patrocínio, se conseguem bons adjetivos). Estes, no máximo, são atletas esforçados. Não fazem mais do que sua obrigação ao competir, mesmo que a duras custas. Seu problema não é QI, mas cachê. Essa é a história que está sendo escrita sobre a Olimpíada de Londres, na qual, como na própria história recente do mundo, há para cada superstar uma respectiva legião de invisíveis segurando a peteca.
Os demais, notados justamente pela derrota, podem enfim saber que seu mérito e dedicação não valem sequer poucos segundos de glória, logo destruídos pela imagem pujante dos vencedores. São pessoas coisificadas, prestes a serem substituídas por outras de performance superior e não se cogite que as próximas edições das Olimpíadas serão diferentes, já que esta modalidade de escrita parece já fazer parte do assim chamado “espírito olímpico”, do qual tanto se comenta mas muito pouco se pratica.
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[Lucio Carvalho é coordenador-geral da revista digital Inclusive – inclusão e cidadania e autor de Morphopolis]