Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Não quero ser repórter

Uma centelha de gente já saiu desta página pensando que leria um texto para jornalistas. Eles não estavam errados. A tônica é essa, mas entendo que deveriam ter ficado, pois vou contar um “causo” de bastidor da redação. É isso o que tenho para fisgar os não-jornalistas que, agora, são meus ex-leitores.

Aos que ficaram, uma confidência: não quero ser repórter! A primeira vez que eu disse isso foi na universidade. Diante da insensatez cometida, a professora respondeu o esperado: “Os melhores editores foram bons repórteres.” Retruquei: “Entendo que o jornal perde um excelente repórter e ganha um editor nem tão qualificado para a função.” A reação da professora foi idêntica à dos colegas da redação para quem já contei meu projeto de carreira. São uns jornalistas com quem costumo trocar ideias e de quem ouço incessantes e sinceras lamúrias, se é que o paradoxo é possível.

Por força da carreira, devo passar pela reportagem. Essa fase não será tão prazerosa como a sonhada edição. E a culpa é dos meus olhos e da minha percepção. Escolhi o jornalismo por acreditar que realizaria grandes viagens, conheceria histórias bonitas de se contar, mudaria a história da política com uma excelente descoberta ou, jornalisticamente abordando, com um furo de reportagem, mas… Esse era o sonho. Entretanto, qual repórter, desta nova geração a que pertenço, tem reais condições de vislumbrar tantos sucessos na carreira? Os malucos, os românticos. Eu, não. Eu sonho com a edição. Ainda pretendo participar da construção da notícia, mas em outras etapas. Na pré-notícia e na notícia pronta. O resto é com o repórter.

O lugar no auge

Deixem-me ampliar a história: quero chegar à redação e me reunir com outros operários da edição, jornalisticamente abordando (novamente), os editores. Isso. Quero ser logo um editor de área. Não sei se da Geral, da Política ou Variedades. Certamente não será do Esporte, jamais da Polícia. Na mesa de reunião, às 10h quero imaginar o jornal do dia seguinte. Eu e outros editores sabemos que, às 14h, o jornal será outro e que amanhã o leitor não terá sequer uma notícia daquelas que imaginamos às 10h. Mas e daí? A cartola e a linha de apoio da matéria serão minhas e se o repórter for preguiçoso a minha criativa cabeça também terá que parir um título convincente para o leitor.

Vejo meus colegas repórteres da velha-guarda já um tanto cansados, tristonhos e com umas olheiras feias. Em exíguos momentos seus olhos brilham. É quando viajam atrás da notícia, porém, quão raro é esse acontecimento. Aliás, por isso brilham os olhos deles. Essa escolha não é um sinal de desânimo pela profissão. O sonho do bom jornalismo permanece vivo dentro do meu coração, esse órgão que pulsará pela empresa quando eu mudar minha função na engrenagem, jornalisticamente abordando (pela última vez), quando eu pensar a pauta já como editor.

Quero queimar uma parte da trama e isso não comprometerá o enredo do filme. Aliás, o lugar em que pretendo estar no auge da carreira justifica minha escolha e o mais interessante é que, esse ainda não é o momento para eu contar que lugar é esse.

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[Nicolas David é estudante de Jornalismo, Florianópolis, SC]