Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A sorte como um predicado

Há várias maneiras de se olhar para as fotos que correram mundo esta semana e que mostram o príncipe Harry peladão, em companhia de periguetes também nuas, na suíte de um hotel de Las Vegas.

A maioria monarquista do país saiu em bloco em defesa do filho caçula da princesa Diana, que volta e meia leva uma reprimenda real, mas encanta seus súditos.

“É claro que o que ele fez foi uma estupidez, mas isso não o torna menos gostável. Ele sempre se mete em encrencas e gostamos dele assim mesmo – ou, talvez, por isso mesmo”, explicou Ingrid Seward, a editora chefe da revista Majesty.

Em privado, o travesso Harry teria pleno direito de fazer diabruras próprias da juventude – é solteiro, tem apenas 27 anos e deve aproveitar seus tempos de folguedo. O que importa é que ele vem desempenhando com louvor suas funções públicas. Capitão do regimento dos Blues and Royals e piloto de helicópteros militares, o príncipe serviu no Afeganistão sem qualquer regalia. Ao longo dos últimos 12 meses, fez sua estreia mundial como representante da coroa britânica, com visitas oficias a Brasil, Jamaica, Belize e Bahamas. E na Cerimônia de Encerramento dos Jogos Olímpicos de Londres ocupou o lugar da monarca. Sentado ao lado da duquesa de Cambridge, fez as honras da casa com propriedade ao lado da cunhada, substituindo tanto o irmão mais velho (segundo na linha sucessória ao trono) como o pai, Príncipe Charles, o paciente herdeiro número um. Nada mais natural, portanto, que extravasasse a energia durante um final de semana de folga prolongada, antes de retornar à sua base militar de Wattisham, em Suffolk.

Seu erro amador foi ter se deixado flagrar de frente e costas vestido apenas com uma corrente no pescoço e uma pulseira no pulso. O opróbrio maior, contudo, deve recair sobre a garota que captou e vendeu as imagens para o TMZ, o mais ágil site de celebridades do mundo.

Escândalo recente

O olhar republicano foi menos caridoso. Justamente por ter 27 anos, Harry não teria mais idade para comportamento tão juvenil e imaturo. Um articulista do jornal independente The Guardian chegou a sugerir que Harry se afastasse da linha sucessória e do status real para poder viver a vida como lhe apraz.

Considerando-se que, quando completar 30 anos, ele terá acesso pleno aos 12 milhões de libras esterlinas que Diana deixou para cada um dos dois filhos, e que sua fortuna pessoal, segundo levantamento feito no ano passado pelo Sunday Times, chega a 28 milhões de libras, ele não teria preocupações financeiras maiores.

Aos críticos mais empedernidos se juntam vozes de lamento pelo dissabor que Harry teria causado à rainha no ano do jubileu da monarca, quando tudo parecia confluir para uma harmonia duradoura entre corte e súditos. Elizabeth II vivia uma temporada de gloriosa popularidade nacional, culminada com sua majestosa performance como “Bond girl” na Cerimônia de Abertura dos Jogos.

Ela não mereceria o dissabor de ser surpreendida pelo neto na capital mundial da jogatina, em poses e situações pouco edificantes. Justo agora, que o duque de Edimburgo, de 91 anos, príncipe consorte e avô dos meninos, foi hospitalizado pela terceira vez em poucos meses, exigindo mais tempo e presença dos membros jovens da Casa de Windsor para substituí-lo em funções oficiais.

O fim de semana em Vegas de Harry e seus dez amigos foi de folia prolongada. As primeiras imagens ainda o mostravam vestido, de chapéu panamá e óculos escuros, bebericando vodca numa festa à beira da piscina. No segundo dia foi fotografado às 3h da madrugada disputando, de jeans, uma corrida aquática com o festeiro Ryan Lochte, coqueluche da natação dos Estados Unidos. Lochte acabara de retornar de Londres com dois ouros, duas pratas e um bronze no pescoço e festejava seus 28 anos na boate do hotel. Mas nem naquelas circunstâncias deixou a competitividade de lado e tratou de derrotar o adversário real. Foi no último dia de estadia no Wynn Encore Resort que Harry promoveu a fatídica festa privada em sua suíte de três quartos, da qual saíram as fotos explícitas.

Não demorou mais que algumas horas para que elas se tornassem virais, reproduzidas em mais de cem sites. Dali para as páginas de jornais do mundo inteiro foi um pulo. Menos na Grã-Bretanha, pátria dos tabloides. Antes mesmo que a Comissão de Queixas da Imprensa (PCC, na sigla em inglês) entrasse em campo para impedir a sua publicação no país, os jornais britânicos já haviam optado pelo recato.

Essa reticência vem no bojo do recente escândalo de escutas telefônicas ilegais praticadas por jornais do grupo Murdoch e que já resultaram no fechamento do News of the World e na condenação a prisão de vários figurões da política, da polícia e da imprensa da Inglaterra.

“Indiferença colossal”

A estocada mais certeira partiu do escritório de advocacia Harbottle & Lewis, contratado pelo palácio de St. James, residência oficial da rainha. Em carta dirigida a todos os diretores de jornal, os advogados apontam para a cláusula número 3 do código de ética da PCC, que diz ser inaceitável “fotografar indivíduos em locais privados sem o seu consentimento”. O fato de as imagens terem sido vistas mundo afora, alertaram eles, não justificaria sua publicação na Grã-Bretanha. “Essas fotos não se enquadram na categoria 'interesse público' tal qual é entendido pelas leis britânicas”, advertiram.

“Se o nu do terceiro homem na linha de sucessão ao trono, jogando strip-bilhar num hotel de Las Vegas com um plantel de mulheres, não é notícia, então não sei o que seria”, insurgiu-se David Dinsmore, editor chefe do tabloide The Sun, que integra o grupo Murdoch. Três edições depois do resto do mundo, estampou na primeira página o frontal de Harry encobrindo o que podia com as mãos. Ainda falta muito para se conseguir regulamentar a imprensa na era da internet.

Para Boris Johnson, o espertíssimo prefeito-bufão de Londres, foi uma chance e tanto de robustecer seu currículo. “Mantenho uma indiferença colossal quanto à publicação ou não das fotos”, declarou à BBC. “Escândalo mesmo seria Harry ir até Las Vegas e não se comportar mal de maneira tão trivial.”

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[Dorrit Harazim é jornalista]