Há sete anos chefe do Estado alemão, Angela Merkel se mostra representante de um estilo de governo introduzido na cultura política por seu mentor, o ex-chanceler Helmut Kohl, e por ela meticulosamente aprimorado.
Merkel apareceu pela primeira vez na mídia no contexto das “Mesas Redondas”, grêmio informal instituído pouco depois da queda do muro de Berlim. O grêmio era composto de oposicionistas e ex-detendores do poder na ex-RDA para estabelecer os parâmetros da transição para um governo democrático. Logo depois das primeiras eleições livres e diretas da ex-RDA, em 18 de março de 1990, iniciou a carreira que analistas políticos denominam ”ascensão turbo”.
Merkel logo implementou uma prática de governo que acumula todo o poder em sua volta. Isso se espelha na escolha dos funcionários do governo nos cargos de confiança e na escolha dos ministros. Todos eles têm o mesmo perfil: eficientes, fiéis até os
dentes e nunca oferecem perigo de facada pelas costas ou de quererem ficar na berlinda.
Desde quando se candidatou pela primeira vez ao cargo de chanceler, Angela Merkel foi sistemática e pacientemente limpando o caminho e se livrando daqueles que tentaram ou poderiam tentar roubar-lhe a cena. A lista de ex-membros do partido e de do governo é longa e gerou para a chanceler, na imprensa, epítetos como “assassina de homens”, “Merkel implacável”, “Merkel, a dama de ferro” e “a chanceler de ferro”.
Sua última cartada, a demissão do ex-ministro do Meio Ambiente Norbert Röttgen, em pronunciamento de 1m39s à imprensa, gerou irritação e controvérsia na sucursal regional do partido na região de maior população do país, a Renânia do Norte-Vestfália.
Críticas ao estilo
As críticas têm sempre a mesma dinâmica: uma nota no jornal, uma entrevista de algum membro do partido em outro, umas poucas pautas na mídia e acabam caindo no esquecimento. A reação da chanceler, assim como a de seu porta-voz, é sempre a mesma: o silêncio. Estratégia essa também usada quando os integrantes do próprio gabinete trocam alfinetadas pela imprensa. Apelos da mídia para um veredicto da chanceler que dê fim a novela são ignorados até que a própria mídia desiste da pauta.
O estilo de governo se caracteriza por ser desprovido de qualquer ideologia. Nele impera o pragmatismo oportunista de acordo com a maré política, com a ordem do dia no circo político.
Na era Merkel, a diferença programática entre os partidos ficou quase invisível. Como num supermercado, ela se apossa igualmente de temas de partidos da sua coligação ou da oposição que ela, ao longo dos anos, conseguiu levar à insignificância.
Ajudada pela dramaticidade da crise do euro, diariamente pauta principal na mídia, o olhar do eleitor se vira automaticamente para “aquilo que pode ser feito”, para as qualidades de Merkel em ditar as regras aos países da União Europeia. A revista Forbes, há poucas semanas, ratificou a chanceler como a mulher mais poderosa do mundo, dando a ela uma aura de ainda mais intocável e inquestionável.
Rédeas curtas
Enquanto a rédea curta de Merkel tem como consequência o ódio e escárnio de países vizinhos (veja aqui, em alemão), na Alemanha a percepção induzida pela mídia é a de que, no momento, não há alternativas a ela. Nem agora, nem para as próximas eleições federais em setembro de 2013.
Pesquisas semanais da TV pública ZDF para o programa Barômetro Político asseguram à chanceler 68% de aprovação do seu trabalho por parte dos eleitores.
Impotência da mídia
A mídia alemã tem sua principal capacidade no caráter investigativo e exato com que divulga temas controversos. Devido ao estilo de governo de Angela Merkel, a mídia alemã (simpatizante ou não do governo) se mostra cada vez mais impotente, sem um plano B contra o estilo “come-quieto” da chanceler e de sua política de comunicação na base da filosofia “o menos é mais”. Quanto menos dar corda à imprensa, menos polêmica, menor a possibilidade de interpretações e de um eventual efeito dominó.
Na maioria das vezes, a comunicação entre governo e imprensa se dá por intermédio do porta-voz Stefan Seibert. Raras são as entrevistas concedidas pela chanceler. Quando muito, para as TVs públicas ARD e ZDF, financiadas com a obrigatória contribuição mensal de cada residência do país.
Rival número 1
Gertrud Höhler, professora de Literatura e conselheira de Helmut Kohl e de setores da área econômica, além de filiada à União Democrática Cristã, o partido de Merkel, revirou a mídia com o lançamento do livro Merkel, a madrinha. Como Angela Merkel transforma a Alemanha.
As más línguas dizem que o livro é produto de um acerto de contas pessoal, já que desde quando ocupou o cargo de chanceler Merkel não fez uso de qualquer competência de Höhler. A chanceler simplesmente a ignora, o que no seu vocabulário significa desprezo.
A cultura do debate e discussão na Alemanha não é fundada na prática do “barraco”. Muito menos na área política e, especialmente, no entorno da chanceler. Fazer vista grossa é a sua especialidade – o que causa a ira da autora, que em seu livro não poupa acusações gravíssimas ao que denomina de “Sistema M”.
Em várias entrevistas na mídia nas duas últimas semanas, Höhler definiu seu livro como um “grito de alerta”. Perguntada pelo moderador da TV regional Hr1 se Angela Merkel é um perigo para a democracia, ela respondeu: “Sim, ela não tem o mesmo respeito pelas regras da Constituição como a maioria de nós tem”. Afirmou ainda que Merkel usaria de “mecanismos ditatoriais, que aprendeu durante a sua socialização na ex-RDA” e foi mais fundo ao dizer que “Merkel trabalha sistematicamente na destruição da democracia”.
Tiro no pé
É lastimável que o livro de 270 páginas tenha como cunho principal o acerto de contas de longa data de Höhler com a atual chanceler. Isso faz com que a procedente argumentação quando ao estilo de governo Merkel não seja discutida de forma construtiva. O livro, em tom de ataque, intima os defensores de Merkel a saírem em campo em defesa da chanceler e considerá-lo uma simples picuinha pessoal.
O lançamento do livro, que ocupou durante semanas todos os jornais do país, não trouxe nada de novo para a opinião pública nem para a mídia, mas o ataque pessoal de Höhler inibiu uma discussão urgente e necessária no momento político-partidário de dormência que a Alemanha atravessa. O que teima em vigorar, conforme
a filosofia merkeliana, é o lema “não se mexe em time que está ganhando”
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[Fátima Lacerda é jornalista freelance, formada em Letras, RJ, e gestão cultural em Berlim, onde está radicada desde 1988]