Charles, o destino de um príncipe, o documentário inglês de Andrew Orr e Olivier Mille, que o canal France 3 exibiu na semana passada, suscita a imediata interrogação: qual o interesse em contar aos espectadores, durante duas horas, a vida do príncipe de Gales, filho de Elizabeth II?
Ao final do programa, podemos constatar como a engrenagem midiática pode ser seletiva e privilegiar os escândalos em detrimento de interesses mais nobres. Charles é um homem inteligente e sensível, formado em Cambridge, onde se especializou em arqueologia e arquitetura, e preocupado com o destino que o homem reserva ao planeta. O príncipe é um personagem muito mais complexo e interessante do que se pode imaginar, a partir do tratamento que lhe dispensa a mídia em geral.
O herdeiro do trono da Inglaterra tem 64 anos e nunca interessou muito os jornalistas, por não provocar grandes escândalos. Seu casamento com a princesa Diana elevou-o à condição de alvo para os paparazzi, muito mais pela beleza, carisma e fotogenia da mulher que tinha a seu lado do que por um interesse nos atos e projetos do príncipe. Além disso, apenas a relação paralela que Charles manteve com a amiga Camilla, com quem se casou posteriormente, interessou durante certo tempo a uma certa imprensa, ávida por escândalos.
Rainha longeva
Introvertido e alheio à vida mundana e superficial que fizeram a glória de outros nobres desocupados mundo afora, Charles seguiu construindo sua biografia de homem discreto e reservado. Extremamente crítico da qualidade da arquitetura londrina do pós-guerra, um dos melhores momentos do filme é quando ele percorre o Tâmisa de barco, apontando monstrengos pesados construídos às margens do rio, explicando por que são inadequados na paisagem urbana, e diz : “Os franceses não teriam permitido essa agressão a Paris”.
O documentário analisa a difícil relação de Charles com seu pai, um homem duro e exigente, que nunca entendeu o temperamento romântico do príncipe, que teve em seu padrinho, Lord Mountbatten, um verdadeiro mentor. O assassinato de Mountbatten, primo da Rainha Elizabeth, por uma bomba do IRA, em 1979, deixou em Charles um enorme vazio. Sua avó materna, morta em 2002, aos 102 anos, foi a outra grande referência na vida do príncipe, presença que compensava as longas ausências da mãe.
Educado para ocupar o trono da Inglaterra, o príncipe Charles teve de construir seu próprio destino para, enquanto espera, não se limitar a cumprir um protocolo exigente e devorador que muitos meses antes lhe traça cada minuto de sua vida. Interessado na agricultura tradicional, na humanização da vida nas cidades, Charles sempre se engajou em causas ecológicas, sabedor que os países desenvolvidos precisam dar marcha a ré no modelo poluidor e insustentável.
Durante o governo de Margaret Thatcher, chegou a incomodar politicamente ministros da primeira-ministra conservadora. Um deles aparece no documentário criticando a atuação política do príncipe, que ia de encontro à política de Thatcher para os trabalhadores de um determinado setor da economia.
Se Elizabeth for tão longeva quanto sua mãe, o príncipe Charles corre o risco de desaparecer antes dela. Ficará a memória de um humanista, um homem culto e profundamente consciente dos perigos que ameaçam a Terra com a mudança climática, o aumento da demanda alimentar e o desenvolvimento urbano.
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[Leneide Duarte-Plon é jornalista, em Paris]