Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Quem incendiou Amuay?

A tragédia na refinaria de Amuay, na península de Paranaguá, noroeste da Venezuela, causou uma nada estranha euforia dos meios de comunicação de todo o mundo, mas principalmente suscitou uma série de considerações sobre a relação deste fato isolado com o processo eleitoral em curso no país. Muito já foi dito sobre o perfil baixo da campanha do candidato da oposição, que não consegue se projetar como um possível ganhador das eleições do dia 7 de outubro – nem nas pesquisas, nem nas ruas. Eventos externos ao processo eleitoral poderiam provocar a mudança desejada pela oposição na atual correlação de forças no país.

O desastre ocorrido no sábado (25/8) deixou mais de 40 mortos e 130 feridos e exigiu do governo liderado pelo presidente Hugo Chávez uma forte mobilização para atender à situação de emergência, que incluiu a concessão de novas casas, realocação das famílias, atendimento médico e psicológico e pensão aos familiares das vítimas. Sem falar do incansável trabalho dos bombeiros para extinguir o fogo durante quase três dias e, a partir de agora, reparar os danos provocados pela explosão.

Logo depois do começo da tragédia, os porta-vozes opositores se eximiram de emitir qualquer mensagem de solidariedade às comunidades afetadas, senão duros ataques à administração da petroleira venezuelana, todos obedecendo a uma tônica comum, revelando a coordenação de um discurso persuasivo que cabe avaliar seus objetivos concretos. Primeiro, a desqualificação dos funcionários da PDVSA, que apontavam à taxação do governo do presidente Hugo Chávez sobre uma suposta ineficiência na administração dos recursos do país. As televisoras privadas nacionais apresentam uma programação completa recheada de inúmeros e desconhecidos “especialistas” que tentam explicar como a incapacidade de administração do governo revolucionário provocou diretamente um dos maiores desastres em matéria petroleira na Venezuela. Economistas falam com propriedade sobre a manutenção física dos reservatórios de combustível. Tecnocratas “especialistas”, em mecânica.

A pressa dos setores midiáticos de oposição denuncia a intenção encoberta. Em Miami, o jornal da extrema-direita anticubano Nuevo Herald publicou na terça-feira (28/8) uma nota sob o título “Venezuelanos sofrem forte escassez de gasolina”. Se bem que é certo que o petróleo é o principal motor da economia local, o que poderia significar também um golpe pontual nas contas do país, os níveis de produção e refinação do produto superam em muito a demanda interna e são perfeitamente suficientes para o cumprimento dos contratos de exportação, segundo o ministro do Petróleo e Mineração, Rafael Ramírez, também presidente da petroleira estatal venezuelana e que também garantiu que nos próximos dias serão retomados os trabalhos na própria refinaria de Amuay.

Planos de desestabilização

Da trincheira revolucionária, as denúncias caminham atrás das respostas que levariam às causas do ocorrido. O que poderia estar por trás deste evento? Através do Twitter, o deputado opositor Henrique Mendoza chega a afirmar que novas tragédias estavam por ocorrer no país. No programa La Hojilla, um destacado segmento de opinião do canal estatal, o apresentador Mario Silva mencionou supostas denúncias de que a oposição estaria fabricando situações com o objetivo de causar uma forte comoção nacional e internacional que possibilitasse o chamado “voto castigo” ao governo revolucionário nas próximas eleições e a consequente vitória do candidato insosso da direita.

A prisão de um mercenário estadunidense no começo de agosto em território venezuelano já havia dado pistas sobre a intenção dos setores políticos da extrema-direita do país, aliados com a extrema-direita internacional, para criar as condições necessárias para a saída de Chávez do poder neste momento estratégico, tenha o custo que tiver. As condições climáticas tampouco ajudam, já que a Venezuela sofre com as intensas chuvas provocadas pela onda de furacões e tempestades tropicais na região do Caribe. Condições estas que poderiam ser, segundo a revista La Hojilla, a desculpa perfeita para a declaração de um estado de emergência às vésperas da eleição, que por sua vez seria um atraente argumento para deslegitimar os resultados ou mesmo a realização das eleições programadas para o dia 7 de outubro.

Sem entrar em especulações, o chamado do chavismo neste momento é estar alerta. Embora desde 2002 os setores políticos aparentassem haver decidido seguir as regras do jogo democrático, o limite deste discurso está exatamente na possibilidade de consolidar resultados concretos. A oposição de direita ao governo revolucionário da Venezuela sabe que não há limites para a atuação, desde que ela leve à derrubada definitiva do governo liderado pelo presidente Hugo Chávez. O uso da força, do terrorismo, só não está no centro da ação opositora atualmente porque ainda não existem condições que permitam fazê-lo. Condições estas que podem ser perfeitamente fabricadas pelos laboratórios da CIA especializados em golpes, intervenções de todo tipo e planos de desestabilização encobertos.

Esperança não anula a realidade

Um documento publicado em 2009 pelo próprio Departamento de Defesa dos Estados Unidos explicava as linhas gerais da chamada Doutrina da Guerra Irregular do Exército desse país. A política de guerra adotada pelo “Prêmio Nobel da Paz” consiste na ausência de limites e em táticas e estratégias utilizadas não tradicionais. A contra-insurgência e a subversão, além do uso de forças especiais para executar operações clandestinas de guerra para gerar desestabilização e criar o cenário para uma intervenção. Tal documento também define um “Arco de Instabilidade”, ou seja, regiões e países onde é necessária a aplicação da nova doutrina de guerra que, pelas condições, não poderia funcionar sem a devida conivência dos meios de comunicação, entre as quais se destaca o pequeno e rico país sul-americano.

Em uma publicação do portal venezuelano Aporrea, o intelectual estadunidense James Petras denuncia que o ocorrido em Amuay é uma campanha terrorista com fins desestabilizadores, controlada pelos Estados Unidos em aliança com mercenários venezuelanos. Contra o plano B da oposição, será preciso consolidar o plano “Che”, segundo palavras do próprio comandante bolivariano. Por tudo isso, é possível concluir que chegar ao dia 7 de outubro e realizar eleições livres e transparentes definitivamente não corresponde à prioridade de uma oposição que busca ocupar o poder em uma Venezuela majoritária e inegavelmente vermelha. A esperança não anula a realidade, pelo menos não neste caso.

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[Leonardo Fernandes é jornalista e trabalha para o canal internacional de notícias TeleSur, com sede em Caracas, Venezuela]