Na quinta-feira (13/7), o jornal Brasil de Fato publicou uma oportuna matéria sobre a perseguição sofrida pelas religiões de matriz africana no Brasil. De acordo com a reportagem, assinada por Cristiano Navarro, fiéis de igrejas neopentecostais, motivados por puro preconceito, invadiram e destruíram sete terreiros no agreste pernambucano.
Segundo Cristiano Navarro, a inquisição de grupos evangélicos contra religiões de matriz africana começou depois do assassinato de uma criança de nove anos, na cidade de Brejo da Madre de Deus. “Logo após a descoberta do cadáver, a polícia veio a público e descreveu o crime como sendo fruto de um ‘ritual de despacho’.” A partir de então, programas locais de rádio e TV passaram a insuflar o ódio da população cristã contra as religiões de origem africana. “A mídia não separou o joio do trigo ao associar um crime de uma religiosidade que não tem nada a ver. Essa associação feita pelos programas de televisão policialescos foi só o estopim para as agressões”, asseverou mãe Beth de Oxum, membro da Comissão Nacional de Povos Tradicionais de Terreiro.
Por outro lado, em decorrência do aumento do número de ameaças e agressões, membros de religiões de matriz africana divulgaram uma nota pública afirmando que não praticam sacrifícios humanos em suas liturgias e rituais: “Nossas teologias não concebem a morte humana como caminho para alcançar qualquer benefício na vida e desconhecemos qualquer ritual pertinente a esta prática condenável. Expurgamos completamente estes atos absurdos de assassinato em nome de qualquer deus.”
“Religiões intransigentes com o diferente”
Segundo os especialistas ouvidos pela reportagem do Brasil de Fato, esses casos de intolerância religiosa podem ser associados aos discursos de alguns pastores midiáticos, a práticas racistas e ao processo de expansão do cristianismo pelo planeta. “A gente sabe que os pastores na TV aberta ocupam a casa das pessoas cotidianamente pregando essa intolerância. O Estado até reconhece as comunidades de terreiro, mas a sociedade passou a nos criminalizar com as TVs e as rádios evangélicas, que dizem que somos o satanás”, afirmou mãe Beth de Oxum. Já para o psicólogo Vicente Galvão Parizi, o preconceito contra religiões de matriz africana está relacionado às questões racial e social. “Não podemos esquecer que houve uma bula papal que dizia, em nome de Deus, que os negros não possuíam alma e por isso podiam ser escravizados.”
Em última instância, a realidade nos mostra que respeitar as diferenças – sejam elas étnicas, religiosas, sexuais ou ideológicas – é condição sine qua non para a boa convivência em sociedade. Porém, como bem salientou Vicente Galvão Parizi, infelizmente muitos neopentecostais são cristãos fundamentalistas que não toleram outras formas de crença. “Em tese, Jesus pregava o amor a todos, mas na prática o que o cristianismo gerou foram religiões absolutamente intransigentes com o diferente”, conclui o psicólogo. Não obstante, ainda há um famoso apresentador que diz que os ateus (pessoas que “não têm Deus no coração”) são extremamente perniciosos à humanidade. Nada mais falacioso e hipócrita.
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[Francisco Fernandes Ladeira é especialista em Ciências Humanas, Brasil: Estado e Sociedade pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e professor de História e Geografia em Barbacena, MG]