Talvez seja sequela do ópio, mas as páginas políticas lembram cada vez mais as do noticiário esportivo. Cobertura in loco, score e análise tática. Do mensalão. Quando não, tendências, previsões e satanização das cores adversárias (?). Satanização do vermelho (!) que não se deixa disfarçar, embora o pretenso mandamento da imparcialidade. Como se o mensalão decretasse o término precoce do que tenha sido apenas um flerte com o socialismo no Brasil. Como se “o maior esquema de compra de votos” fosse também um vício desta ideologia, que se imporia automaticamente quando alcançado o poder.
O tema é muito delicado. Mário Vargas Llosa e Gabriel García Márquez discorreram brilhantemente sobre a força descomunal exercida pelo poder sobre o homem, sobre a vontade dos governantes de se perpetuarem no poder. Aqui, no Brasil, também o fazem. A compra de votos de parlamentares para favorecer os próprios projetos é prova desse fenômeno esquizofrênico. Só que a questão vai além da bandeira. É quase impossível não polarizar a política nacional entre PT e PSDB – raros são os outros partidos que apresentam algum programa coerente de unidade. Fato é que, nos dois principais partidos brasileiros, o mensalão é uma realidade. O presidente tucano também precisou do dinheiro público para comprar votos de parlamentares e fazer funcionar a máquina à sua maneira.
A reforma política, mais do que o lance a lance do julgamento, se faz necessária. A cobertura diária é inevitável, benéfica, mas uma hora cansa. Afinal, o julgamento é de pontos corridos. Turno e returno. E todo mundo sabe que a gente prefere o mata-mata. Dessa semelhança com a crônica esportiva, que se tire um exemplo, e não o modelo.
Jornais podem ajudar um pouco mais
De um surto de Mário Filho para se ter um estádio no Rio de Janeiro, das páginas rosas do Jornal dos Sports veio o incentivo para se construir um monumento. Fomos além da discussão do mulato e da bola, dos pés descalços, do país do futebol, do 0 a 0. Fez-se o país do futebol, seu palco.
Os jornais e a sociedade clamam, e devem clamar, pela lisura do julgamento. Devem acompanhá-lo. Mas enquanto o poder Legislativo se submeter ao Executivo como se fosse uma coisa só, numa transação mercantil, os casos tendem a se repetir. Seja qual for o partido, seja qual for o governo. Ambos continuarão dependendo dos partidos nanicos, que proliferam. Proliferam o fisiologismo, os acordos espúrios, o tempo de TV no malfadado horário eleitoral e a compra de votos. Pagos em dinheiro ou em cargos.
Mais do que combater a corrupção é preciso combater o sistema que a favorece. E o problema é muito mais complexo do que qualquer 5 a 5. É utópico, mas a Ficha-Limpa também era. Propositivos à moda antiga, os jornais podem nos ajudar um pouco mais. Não?
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[Gabriel Góes Barreira é jornalista, Rio de Janeiro, RJ]