A felicidade não se compra (Frank Capra, 1946) é um clássico bem-humorado e sensível do tipo que raramente se vê hoje em dia (passa de vez em quando no Telecine Cult), mas não interessa às novas gerações porque a cópia não foi colorizada nem seu ritmo é o de ação contínua, típica das produções comerciais atuais, cujo timing está inoculado na percepção dessa garotada colonizada. O que é oferecido ao consumo de novas e velhas gerações é uma quantidade absurda de baboseiras, violência e ideologias rasteiras que são consumidas avidamente por um público cada vez mais anestesiado, que paga para obter informação de baixo nível. Ou seja, mediocridades vendidas aos borbotões.
A impressionante gama de séries e filmes ruins nos canais de TV por assinatura é um exemplo completo e acabado disto. Os seriados cômicos desfilam o american way of life, enquanto as séries policiais transpiram xenofobia: num episódio de Law & Order outro dia, atletas de um time de futebol americano eram suspeitos de um crime. De uma penada, o roteiro inocentou os jogadores e culpou uma dupla de dominicanos e a mulher de um casal inter-racial.
A grande maioria das produções é de origem estadunidense (exceções se encontram na sessão Cinemundi, do Telecine Cult, no Canal Brasil, no canal do HBO Max, na TVE espanhola e no canal francês TV Monde) e vêm instilando aversão a árabes, russos, latinos e à mestiçagem cultural. Suas comédias e filmes de ação parecem ter enredos produzidos por estudantes secundaristas, tamanho o simplismo, muitas vezes disfarçado pelo rocambolesco (recheado de sangue e chutes em gente caída); e seus dramas melosos têm por subgênero o que poderíamos chamar de “filmes de escritor”: parece que nos EUA todo mundo foi, é ou será autor de livro (não basta impor sua cultura fast food ao mundo, querem ser reconhecidos também como intelectuais).
Cavalo branco
Em forma e conteúdo, as novelas brasileiras são muito melhores que esses filmes e seriados. Os atores são ótimos e a produção primorosa. Quando se vê o capricho da reconstituição de época de umaLado a Lado (Globo, 18 hs.) e o histrionismo de Que rei sou eu? (Viva, 00:15 hs.), começa-se a indagar por que a audiência tem preferido inclusive histórias de ódio, como Fina Estampa e Avenida Brasil, ao invés de histórias de amor.
A resposta é rápida: o público está emburrecendo com a baixa qualidade do que está consumindo. Mas não basta isto para explicar, por exemplo, o sucesso de uma porcaria como Cinqüenta tons de cinza. O livro é redundante e mal escrito e qualquer um que tenha lido Henry Miller, ou Érico Veríssimo, ou Jorge Amado na escola não consegue chegar à metade, tal a falta de qualidade literária (embora isso seja comum em best-sellers).
Creio que o sucesso dessa bomba pornográfica se deva à mesma razão do filme Uma linda mulher: a fantasia do sexo em troca do status de conquistar um figurão. Não existe complexo de Cinderela, existe o golpe da Cinderela (versão mais elaborada e prolongada do golpe “boa-noite Cinderela”). Por isso o príncipe tem de vir e de cavalo branco. De pangaré não serve. Há mulheres que se submetem a qualquer coisa por um ricaço que as leve a Paris de jatinho. O ponto G delas é de “gerente”.
Montanha de lixo
Depois que se casam, patricinhas (mais interessadas em fotos, festas e face) logo engravidam (quando não dão o golpe da barriga antes) porque, para quem gosta mesmo de sexo, filho é um estorvo, mas para quem não gosta, é uma benção. Aí cria-se o ambiente apoltronado e bocejante da família, com as supermães retendo os meninos junto a si pela eternidade. E como a condição materna implica uma santidade e certo “nojinho” do membro masculino (por identificação da autora com a protagonista Anastasia Steele e suas leitoras, o sexo oral é uma prática de tortura), o marido de vez em quando sai uivando por um fellacio decente (como Hugh Grant e como um famoso craque brasileiro), enquanto elas ficam em casa lendo Cinquenta Tons de Cinza.
Felizmente, há uma legião de mulheres bem resolvidas que escapam deste quadro genérico: a cantora Wanderléa deu o depoimento mais interessante à (como de hábito convencional) abordagem do livro feito pela revista Veja (“sexo vende”): “Achei careta. (…) As mães brasileiras da minha geração não são assim. Sua sensualidade é mais exuberante e colorida.”
Minha preocupação são adolescentes e jovens expostos a tantos filmes idiotas e livros-baixaria. Mas tenho razões para acreditar que a cultura (e o ensino) brasileiros produzem anticorpos para toda essa interminável montanha de lixo que a mídia produz, exibe e exalta.
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[Silvia Chiabai é jornalista]