Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Debater é preciso, umbiguismo não é preciso

“O que a democracia requer é debate público, não informação.” (Christopher Lasch)

Vou desligar a secretária eletrônica, emudecer o celular e não atendo o interfone do porteiro noturno, que combate o tédio com a minha biblioteca. De 10 às 11 e meia da noite de quarta-feira, hora de Brasília, o primeiro e mais importante debate desta campanha presidencial vai monopolizar a nossa atenção. A cobertura da imprensa, alimentada pela máquina publicitária dos dois lados, trata a aproximação do encontro entre Barack Obama e Mitt Romney, em Denver, quarta-feira, num tom que lembra a véspera da luta entre Muhammad Ali e George Foreman, em 1975. Os argumentos dos candidatos estão sendo pesados, seus golpes previstos e o sparring verbal de cada um, na maratona de treinos, foi objeto de inúmeras reportagens.

No ensaio “Jornalismo, Publicidade e a Arte Perdida do Argumento”, publicado em 1990, o historiador Christopher Lasch afirmou que a preocupação do jornalismo americano com a pureza da objetividade era um desserviço à informação. Lasch morreu em 1994, ano em que Newt Gingrich liderou uma vitória eleitoral republicana e transformou a paisagem política com sua oratória moralista que teve grande sucesso em colar nos democratas adjetivos como “sujo” e “adúltero”.

Composição demográfica

Lasch, autor do clássicoA Cultura do Narcisismo, não defendia a polarização tragicômica que se vê hoje na mídia, nem o desprezo por fatos expressado por Karl Rove, ex-assessor de George W. Bush, que se referiu aos jornalistas como “a comunidade que se baseia na realidade”.

Mas Lasch antecipou o declínio do debate público num contexto em que fatos viram munição ideológica. Numa tentativa de baixar as expectativas com seu desempenho, o mal-amado Romney disse que não há dúvida que Barack Obama é um homem muito eloquente. Tradução: ele pode mentir melhor.

O sedativo telejornal da rede pública americana ofereceu um momento de frisson no segmento habitual da sexta-feira, conhecido como Shields and Brooks. Um velho jornalista simpatizante democrata, Mark Shields, analisa a semana política com David Brooks, o colunista conservador do New York Times, mas o diálogo entre os dois não costuma exibir grandes rachaduras. Na sexta passada, a âncora perguntou a ambos como se explicava a nova vantagem de Barack Obama nas pesquisas. Shields, ofereceu sua teoria:

“Mitt Romney é o primeiro candidato dos últimos 35 anos que, onde quer que faça campanha, piora. Acho que este é o seu problema real. Quanto mais o público vê Romney, menos gosta dele”.

A câmera cortou para a âncora perplexa e um derrotado David Brooks balbuciou seu acordo com o argumento.

Agora, caro leitor, vamos dar um pulinho a Staten Island, a menos querida das cinco regiões que formam Nova York. A revista Atlantic Monthly foi lá primeiro e relata o que chama de a revolução da escrita. Na escola New Dorp, que já foi típica da tragédia da educação pública para os menos favorecidos neste país, 80% dos alunos se formaram sem repetir o ano letivo, em junho passado. Como a escola chegou lá, sem que a composição demográfica dos alunos tenha mudado? Os mesmos 40% que vêm de famílias pobres – um terço hispânicos, 12% negros – são obrigados a escrever. O programa, que vai começar a ser imitado em outros Estados, poderia ser útil em escolas de jornalismo.

Universal e particular

Um aluno de 8, 10, ou 15 anos na New Dorp, não escreve redações sobre o que sente, quer ser quando crescer ou o que fez nas férias. É obrigado a articular seus pensamentos em argumentos coerentes, compor pequenos ensaios que sejam persuasivos sobre as ideias que defende. E isto não se aplica apenas à aula de inglês. Os alunos saem de New Dorp tendo escrito sobre história e ciência. Enfim, prontos para debater e defender a democracia, como queria Christopher Lasch.

Quem sabe, se algum graduado de New Dorp se tornar jornalista, vai combater o narcisismo, a doença infantil do bloguismo. E vai poupar seus leitores da egomania de parte do jornalismo digital. Sua ideia de unir o universal ao particular não será blogar sobre um evento mundial inserindo comentários sobre o cachorro quente que comeu durante dito evento. A não ser, é claro, que o vendedor do cachorro quente seja um desempregado que atenda pelo nome de Mahmoud Ahmadinejad.

Até quarta-feira e prometo não blogar sobre o corgi adorável que vai assistir ao debate comigo.

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[Lúcia Guimarães é jornalista, em Nova York]