Wednesday, 18 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

Jornalista não é juiz, mas há juízes em vigília

Há anos, algumas agremiações partidárias cometem verdadeiros estelionatos eleitorais no Brasil. Durante as campanhas em busca de votos, vendem como produtos ética e retidão. Após os pleitos, entregam à população corrupção, lavagem de dinheiro, desvio de recursos públicos. Às vezes, com um agravante: a justificativa de que os atos foram praticados na busca pelo bem-estar social do povo brasileiro.

Preocupa-me, especialmente, quando alguns setores da imprensa – não são todos – compram determinadas teses que se descolam dos fatos e tentam, seja por meio de artigos, editoriais ou descaradamente na condução das reportagens, conduzir pessoas a acreditarem, ou não, nelas. Assim, quando um jornalista cede a malabarismos retóricos para justificar condutas criminosas de políticos que se alinham às ideologias que ele, jornalista, defende, presta um desserviço à sociedade porque cabe ao jornalismo levar ao cidadão informação isenta, de forma objetiva, para que este seja capaz de tomar a sua própria direção.

No que concerne à Ação Penal 470, que trata do processo que ficou nacionalmente conhecido como mensalão, fala-se com alguma insistência em cerceamento do direito de defesa e em julgamento político dos réus. Duas teses que não resistem aos fatos e são os fatos que devem alimentar o noticiário. Não cabe ao jornalismo julgar a ação, assim como seria um despropósito se o Supremo Tribunal Federal decidisse editar a capa de um veículo privado de comunicação.

Não importa a ideologia

Quanto ao cerceamento do direito de defesa, ressalte-se que o escândalo que deu origem à ação penal em julgamento fez aniversário de sete anos e o processo que caminha para o encerramento foi protocolado no Supremo Tribunal Federal em 12 de novembro de 2007. Os acusados tiveram, portanto, cinco anos para produzir toda sorte de provas aceitas em Direito para mostrar, sobretudo à sociedade brasileira, que o caso nunca existiu. Não lograram êxito. Não há, pois, que se falar em cerceamento de defesa com tão dilatado prazo.

Independentemente das siglas partidárias dos acusados, o Supremo faz até aqui um julgamento democrático, público, aberto às divergências e amparado pela lei. Como deve ser. Concorde-se ou não, os ministros estão emitindo as decisões com base nos entendimentos a que chegaram ao analisar todo o processo. Há absolvidos e condenados. Se o número de condenados supera o de absolvidos, não é um problema da Corte. Já concluíram que houve desvios de recursos públicos, gestão fraudulenta, corrupção passiva, peculato, lavagem de dinheiro e agora caminham na direção dos corruptores.

Destaque-se que o escândalo veio à tona ainda durante o primeiro mandado do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que mesmo assim foi reeleito para um segundo mandato e conseguiu fazer sua sucessora. Saliente-se que um presidente da República do Partido dos Trabalhadores indicou, creio que amparado pelo notório saber jurídico e pela reputação ilibada dos magistrados, parte dos atuais integrantes do STF. Não foram as já folclóricas forças golpistas da oposição que indicaram soldados aptos a promover um justiçamento – outro termo da moda em alguns setores da imprensa – dos acusados.

E eis aqui uma questão até irrelevante num Estado Democrático de Direito: os ministros estão na Corte porque capazes, e não para desígnios partidários. Logo, não importa a ideologia de quem indica nem do indicado. Uma vez investido ministro, só o que o acompanha são as leis.

Um “inofensivo” churrasco

Na AP 470 estão sendo julgados políticos e não políticos acusados de condutas criminosas tipificadas no ordenamento jurídico brasileiro. Afasta-se, assim, a tese do julgamento político. E não haveria porque prosperar.

Quando o ministro Celso de Mello, o mais antigo integrante da atual composição do STF, ao proferir um contundente voto na segunda-feira (1/10), disse que “o cidadão tem o direito de exigir que o Estado seja dirigido por administradores íntegros, por legisladores probos e por juízes incorruptíveis. O direito ao governo honesto – nunca é demasiado reconhecê-lo – traduz uma prerrogativa insuprimível da cidadania”, ele verbalizou o sentimento de milhões de brasileiros que trabalham, pagam seus impostos e já há muito estavam descrentes da política nacional.

Os argumentos que embasaram o voto do ministro Celso de Mello e o entendimento que o Supremo tem construído a cada decisão exarada jogam luz na escuridão que recobria administração pública brasileira e servem para mostrar à sociedade que na última instância do judiciário pátrio há juízes vigilantes, guardando, pois, a democracia.

Mas é igualmente importante destacar que, enquanto o cidadão considerar natural furar uma fila; ficar efusivo por colar numa prova ou receber uma nota 10 por um trabalho medíocre no colégio; ser promovido pelo que é e não pelo que faz; enquanto se vangloriar por furar uma blitz e sonegar um imposto; sempre que um cidadão decidir votar em um candidato em troca da iluminação de um campo de futebol ou de um “inofensivo” churrasco em véspera de eleição, o Brasil seguirá sofrendo com casos de corrupção semelhantes àqueles que estão em julgamento no STF. Porque todo e qualquer desvio na ponta do iceberg, tem início lá atrás com uma primeira má escolha individual de um cidadão. Aquela abstração chamada povo, ou a outra abstração denominada classe política, só existe pela escolha de cada indivíduo.

Cada um cumprindo com o seu papel

O que cada um dos ministros do Supremo Tribunal Federal está decidindo neste momento é qual a Ordem que levará ao Progresso de todo cidadão brasileiro. E a Ordem é o respeito às leis, às instituições e a independência dos poderes.

A união de todos: administradores íntegros, legisladores probos, juízes incorruptíveis, imprensa independente e cidadãos conscientes, cada um cumprindo com o seu papel, é que fará uma sociedade verdadeiramente justa, igualitária e democrática.

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[Marcelo Feitoza é jornalista, Rio de Janeiro, RJ]