A edição 310 da revista Superinteressante (outubro de 2012) nos surpreende em seu editorial, assinado pelo editor Alexandre Versignassi, com uma manchete mais que otimista: “Nunca lemos tanto”. O editorial começa com uma série de frases prontas: “O senso comum é traiçoeiro. Quantas vezes você já ouviu que ‘as pessoas estão lendo cada vez menos’?…” “Hoje, ‘ninguém mais lê por causa do Facebook, do iPhone, do Twitter, do Xbox, do Netfix…’ E da TV também. Mas não. A verdade é que nunca lemos tanto”. Uma visão verdadeiramente otimista. E continua: “Só em 2011, as editoras venderam 469,5 milhões de livros, dá 7% a mais que em 2010, contra um crescimento de 2,7% do PIB.
Mas o otimismo do editor esconde um “pequeno” erro de interpretação. O autor assume uma relação diretamente proporcional entre o aumento das vendas das editoras e o aumento no número de leitores (ou aumento do número de livros lidos por cada pessoa? Não fica claro). Erra-se quando consideramos que o verbo vender e ler são sinônimos.
Dentre outros fatores que deveriam ser analisados para afirmar que “nunca lemos tanto”, teríamos que saber quanto desse aumento das vendas editorias corresponde à compra de livros didáticos por parte do MEC, os quais, normalmente, são livros que nem sempre determinam um aumento voluntário ou prazeroso do hábito da leitura. Um aumento das vendas não necessariamente implica um aumento da leitura. Essa simples analogia é similar à que nos diz que a saúde dos brasileiros melhorou, já que mais famílias contrataram planos privados de saúde. Todos conhecemos a qualidade do sistema sanitário do Brasil. A greve atual da classe médica pode dar fé desse triste fato.
Rigor jornalístico
A opinião expressa por Alexandre Versignassi ignora, ou quer ignorar, os dados recentes da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, encomendada pela Fundação Pró-Livro e pelo Ibope Inteligência. Segundo levantamento do Jornal Ciência Hoje do dia 4 de outubro de 2012, o estudo, que está na sua terceira edição e envolveu 5.012 pessoas em 315 municípios do país, traçou um panorama preocupante: houve uma queda de 9% de leitores em comparação a 2007, o último ano em que a pesquisa foi feita.
A mesma publicação amplia a informação estatística com uma entrevista à socióloga Zoara Failla, coordenadora do estudo, que, ante a última pergunta do repórter Thiago Camelo: “Você é mais otimista ou pessimista quanto ao cenário de leitura no país? Ela responde:
“Não dá para ficar otimista com os números que temos. O ponto positivo é que esses números podem gerar inquietação nos governantes, incentivar ações mais efetivas. Não só nos governantes, mas também nos pais e nos educadores. São importantes também essas ações individuais: o pai dar livros de presente para o filho, o professor desenvolver atividades em torno da leitura, indicar livros na biblioteca… São ações muito simples que geram enorme resultado.”
As diferenças de opinião entre o editor da Superinteressante e a autora da pesquisa são mais que evidentes. Se considerarmos a revista Superinteressante como uma revista de divulgação científica popular, resulta alarmante ler um editorial como o da edição presente, já que o mesmo desconsidera dados recentes sobre o tema tratado. Não só ignora, como oferece uma visão completamente discordante de uma pesquisa científica, misturando alegremente dados econômicos com dados sociológicos. Fazer divulgação científica popular não deveria determinar um descaso no tratamento das pautas analisadas. Pelo contrário, a rigorosidade tem que marcar o nosso modo de agir na prática jornalística (e científica).
O que cresce são os números do mercado
O que inicialmente podemos considerar como uma crítica, deixa de ser quando o editor da revista Superinteressante avança em seu comentário anunciando dois livros da Editora Abril que acabam de sair da gráfica. Foi claro, a matéria simplesmente estava mostrando um anúncio comercial embutido dentro de uma, infelizmente, falsa perspectiva sobre o aumento do hábito da leitura no país. O que aumentou foram as vendas dos livros, e com editores como o citado, sem sombra de dúvidas, o que continuará a crescer talvez sejam os números do mercado comercial.
Posso assegurar que uma vez finalizada a minha leitura da revista, fiquei com uma vontade indescritível de nunca voltar a lê-la. O editor foi de grande ajuda para essa decisão.
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[Lisandro Diego Giráldez Álvarez é químico, doutor em Fisiologia pela Universidad de Buenos Aires, Argentina, pós-doutor em Neurociência pela Universidad Complutense de Madrid, Espanha e Universidade Federal da Bahia e diretor da Agenciencia – Comunicación Científica]