Thursday, 26 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Comunicação corporativa à beira do caos

Um número muito grande (suspeita-se que mais da metade) de jornalistas recém-formados vai encontrar seu primeiro emprego fora das redações, em comunicação corporativa e a serviço de alguma organização pública ou privada. O surgimento das mídias sociais – e seu uso pelas organizações empresariais para políticas de relacionamento com clientes – tem ampliado esse mercado de trabalho que, teoricamente, oferece melhores salários que os praticados pela maioria das redações.

O que esses novos profissionais desconhecem é que vão atuar em cenários corporativos caóticos, onde os conceitos que sustentam a comunicação corporativa estão virados pelo avesso e a prática, em consequência, padece de atroz falta de objetividade. Os próprios formandos deixam a academia envoltos numa névoa de desconhecimento. São raras as universidades que detêm professores com visão prática do assunto e que não estejam trabalhando exclusivamente com a visão teórica, muitas vezes defasada ou descolada da realidade.

Como pano de fundo desse cenário, surge uma prosaica constatação: as grandes corporações brasileiras perdem todos os anos uma montanha de dinheiro, quer pelos desacertos de sua comunicação, quer pela compra de “soluções” estabelecidas sobre falsos diagnósticos que, na prática, demonstram ter a mesma eficácia dos placebos. As causas dessa inacreditável confusão estão no surgimento e na disseminação, a contar dos anos 1980, das novas tecnologias de informação. Empresas de todos os setores investiram somas fabulosas na compra de sistemas e ferramentas de comunicação nos últimos 20 anos e, por um erro estratégico grave, esqueceram-se de investir na capacitação de suas lideranças para a prática de uma comunicação corporativa de qualidade. As novas tecnologias foram vistas como solução em si mesmas para os problemas de comunicação. Deu no que deu.

Mídia interna é apoio

Talvez porque as próprias corporações se debatem com os problemas que se originam da incapacidade de suas lideranças em se comunicar com acerto, as grandes companhias voltam suas atenções agora para as deficiências de sua comunicação interna. Tentam superá-las com a contratação de profissionais “especializados”, implantam núcleos para conduzir a comunicação interna, compram programas de endomarketing de uma das prósperas empresas de comunicação alavancadas nos últimos anos por uma demanda difusa porque baseada no desconhecimento. O grau de insatisfação com a qualidade da comunicação interna persiste. As organizações começam a achar que seus problemas são naturalmente crônicos e insolúveis.

Na verdade, os problemas se agigantam porque nem as companhias nem os ditos especialistas conseguem mais enxergar os reais conceitos que sustentam a comunicação corporativa. Tudo virou uma espécie de geleia real. Comunicação interna, por exemplo: é feita da troca de informações e percepções produzidas diariamente pelas diferentes frentes operacionais da empresa. Seu objetivo é alcançar a máxima “universalização do conhecimento interno” dos movimentos estratégicos da corporação. Ninguém mais a vê assim. Comunicação interna já virou sinônimo de endomarketing, tem sido entendida como o canal que liga a empresa a seus funcionários, como se “empresa” fosse uma espécie de oráculo, apartado da corporação. Em muitas outras companhias, comunicação interna é algo que pode ser conduzido por uma “área” de especialistas e através de uma quantidade “x” de mídias internas, com estas ou aquelas características. É óbvio que não é isso e é evidente que com esses falsos conceitos não haverá melhora dos procedimentos, mas sim, a sua contínua deterioração.

Afinal, o que é uma empresa se não uma simples convenção jurídica registrada numa junta comercial? Uma empresa não se comunica com nada ou ninguém. Quem se comunica, para dentro ou para fora, com qualidade ou sem qualidade, são os membros da corporação, que devem ser os únicos e exclusivos protagonistas da comunicação interna. Mídia interna é apoio, jornalista é também apoio. Ou se entende isso ou o jornalista não alcançará sucesso e realização profissional em comunicação corporativa. Não deve assumir – e a ele não pode ser atribuído esse papel – o protagonismo da comunicação interna.

Descontração e negligência

O que é raramente percebido pelas corporações é que a “comunicação interna” é estruturante de todas as demais. Se uma parte considerável da corporação desconhece os movimentos estratégicos definidos no dia a dia pelas frentes operacionais, ela não vai conseguir realizar uma comunicação de qualidade com o público externo – clientes, parceiros, fornecedores, governo. A má qualidade da comunicação interna, sempre desmotivadora, é capaz, portanto, de explicar a má qualidade no atendimento a clientes, o que caminha para ser uma característica perene de um número incalculável de organizações brasileiras.

Falta ainda às lideranças empresariais a compreensão de que a comunicação é uma técnica, regida por normas e conceitos que devem ser dominados. “Informar não é comunicar”, insistia o professor Flávio de Toledo, um dos mais respeitados consultores empresariais do Brasil, falecido em 2001, incansável em advertir seus clientes de que a “informação” é apenas um dos vários ciclos da comunicação que só acontece de fato quando o interlocutor dá sinais de que entendeu a mensagem recebida. Comunicação, portanto, deve ser encarada com seriedade e responsabilidade. No cenário onde o jornalista recém-formado vai começar a trabalhar é comum tratarem a comunicação com a mesma descontração e negligência em voga na praia de Ipanema. Lamentável!

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[Dirceu Martins Pio é ex-diretor da Agência Estado e da Gazeta Mercantil e atual consultor em comunicação corporativa]