Trata-se de uma data importante para o “carioca way of life”. O personagem Zé Carioca, criado por Walt Disney em 1942, morava na favela. Vivia de pequenos expedientes, golpes em restaurantes de hotéis, diversão de penetra em clubes grã-finos. A periquita Rosinha, sua namorada eternamente enrolada, surgiu nos quadrinhos como uma das mais sexy pin-ups da era pré-Jessica Rabitt.
Zé Carioca não cumprimentava friamente, como os americanos, mas dava abraços “quebra-costelas” nos chegados, como no turista gringo Pato Donald. Nas primeiras tiras, ele era identificado como José (Joe) Carioca. Agora, para celebrar a data, sua história é tema de um especial da Editora Abril, que reedita todas as tiras iniciais produzidas entre 1942 e 1944, além de uma seleção especial de histórias até 1962 recoloridas digitalmente.
Por causa de sua faceta de malandro e inimigo do trabalho, Zé Carioca já foi alvo de campanhas politicamente corretas. “O Zé Carioca é um personagem antiético terrível, com todos os clichês negativos”, disse, em 1999, a autora Denise Gimenez Ramos, professora titular da PUC e coautora da tese Os Animais e a Psique (Palas Athenas, 284 págs.), na qual buscava restabelecer conexões simbólicas entre as pessoas e os bichos – incluindo suas representações ficcionais. “O personagem de Disney nunca trabalha, fica em geral deitado numa rede sonhando em ganhar na loteria – é um arquétipo falso, que perpetua o Macunaíma”, afirmou.
Recusa polida
O pioneirismo de Disney com o Zé Carioca sempre foi questionado. Já havia precedentes simultâneos e até anteriores. O cearense Luiz Sá (1907-1980) criou, nos anos 40, um papagaio vestido de gente chamado Faísca, que apareceu muitos anos antes do Zé Carioca. E há a eterna desconfiança que a inspiração de Disney tenha partido de um trabalho do cartunista brasileiro J. Carlos.
Em agosto de 1941, Walt Disney visitou o Brasil (além de alguns outros países da América do Sul), estimulado pelo irmão Roy, como parte do esforço da Política de Boa Vizinhança do governo Franklin Roosevelt, que visava a estreitar as relações dos Estados Unidos com os países latinos.
Para o pesquisador Celbi Vagner Pegoraro, jornalista, pós-graduado em Relações Internacionais e doutorando em Ciências da Comunicação pela Universidade de São Paulo, há muitas inspirações que resultaram no papagaio folgazão de Walt Disney, e não só os desenhos de J. Carlos. “Mas é fato que Walt Disney ficou encantado com a obra do brasileiro”, afirma.
Pegoraro lembra que a saison brasileira de Disney o mostrou menos interessado em eventos diplomáticos e mais em atividades artísticas (foi ao lançamento do filme Fantasia no Rio e em São Paulo), e seu primeiro encontro com J. Carlos ocorreu numa exposição na Associação Brasileira de Imprensa. Na mostra havia obras de diversos brasileiros, mas os desenhos de J. Carlos retratavam a fauna brasileira, incluindo aí o papagaio. Seus traços chamaram tanta atenção que dois fotógrafos da equipe de Disney gastaram muito tempo registrando os quadros. Durante um almoço promovido pelo chanceler Oswaldo Aranha no Palácio do Itamaraty, Disney fez pessoalmente um convite para que J. Carlos trabalhasse em seu estúdio, mas o brasileiro recusou. Foi então que o artista presenteou Disney com um desenho de papagaio.
Nova geração
Após 70 anos, Zé Carioca permanece sendo publicado pela Editora Abril. As revistas aproveitaram o sucesso do personagem nos filmes dos anos 1940 e 1950. Em 1944, ele estrelou o filme Você Já Foi à Bahia?, da Disney (nos quais sua voz não era de um carioca da gema, mas do paulista de Jundiaí José do Patrocínio Oliveira, indicado por Carmen Miranda).
A partir daí, o gibi do Zé Carioca inicialmente alternou números com o Pato Donald até ganhar a própria publicação em janeiro de 1961, época em que cartunistas brasileiros começaram a ter sua chance. “Porém, seu auge ocorreu mesmo nos anos 1970, pelas mãos do gaúcho Renato Canini, que aproximou de forma mais latente o Zé Carioca da realidade brasileira, consolidando sua identidade de malandro”, conta Pegoraro.
Suas aventuras ocorrem na Vila Xurupita, um bairro fictício nos morros do Rio, e o personagem ganha uma série de amigos e parentes, caso do Zé Paulista, um primo louco por trabalho. Desde então, outros artistas brasileiros prosseguiram com o personagem e há um desafio da nova geração, como a do quadrinista Fernando Ventura, de desenvolver o Zé Carioca para uma nova geração. Especialmente agora que o volume 2 terá duas histórias inéditas feitas por brasileiros.
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[Jotabê Medeiros, do Estado de S.Paulo]