Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A lição que vem de Ponta Porã

Investigar, prender bandidos – uma rede de atiradores, matadores, planejadores, organizadores, distribuidores e vendedores de drogas e armas –, nada disso será suficiente no combate a criminalidade dominante em São Paulo, amplamente noticiada pela mídia nas últimas semanas, se não for realizada com eficácia, pelos governos paulista e federal, a principal lição que vem da extraordinária experiência do juiz federal Odilon Oliveira, de Ponta Porã, no Mato Grosso do Sul: a asfixia política e financeira do crime organizado.

Não tem dez anos quando o juiz federal pernambucano iniciou uma experiência que quase o levou à morte já algumas vezes e para escapar da qual, no início, foi obrigado a morar no fórum da cidade e bem longe de sua mulher e filhos, a quem só passou a visitar de 15 em 15 dias. Depois de um intenso trabalho de investigação policial, seguido de dezenas de audiências com acusados de tráfico de drogas no Mato Grosso do Sul e donos de fazendas no Paraguai, Odilon de uma só canetada fez o que até seus colegas de magistratura julgavam impossível: prendeu, julgou e decretou a condenação de 114 traficantes internacionais de drogas a penas acumuladas de 919 anos de prisão e o confisco de todos os seus bens.

Essa asfixia simplesmente interrompeu todo um processo de dominação do tráfico de drogas na região, há muito considerado impossível pelos próprios colegas de Odilon Oliveira.

Segurança roubada

Isso não é nada, mas esse reconhecimento público do heroísmo dele pelo MP Federal já é alguma coisa. Com essa incrível trajetória, o juiz foi conduzido à condição de um dos principais personagens vivos do meu último romance-reportagem, O Voo do Gafanhoto à procura de um editor competente depois da 1ª edição acidentada.

Na refrega contra o crime organizado em São Paulo, os governos estadual e federal estão, desde o começo – quando o conflito se tornou mais ostensivo, há quase quatro meses –, em franca desvantagem. E esse quadro só se inverterá quando forem fechadas as portas por onde o crime organizado respira: a entrada de drogas e armas e o bloqueio das contas bancárias onde enormes somas em dinheiro são depositadas e transferidas às fontes – se não forem usados meios de transporte como aviões. A onda de violência em São Paulo tende a se transformar num processo de carnavalização e até mesmo de desmoralização total das forças de segurança na medida em que as forças militares envolvidas não conseguirem deter esse processo de matança, que ocorre em diferentes regiões da capital paulista.

Não está fora da avaliação das autoridades de segurança o modo de operar da ou das quadrilhas: há uma variação de lugares das matanças e as vítimas podem ser relacionadas ou não terem parentesco com militares. Pelo tamanho de Paraisópolis e de sua população total – mais de 100 mil pessoas –, é impossível um controle absoluto na sua movimentação nem impedir a surpreendente presença de matadores na área devido ao uso constante de motos embora a circulação desse transporte seja massiva na cidade.

A experiência das forças militares brasileiras no combate aberto ao crime organizado, nas dimensões de São Paulo, é algo novo do ponto de vista de uma conjuntura democrática e de prevalência dos direitos da cidadania. O crime organizado é quem priva a população do seu direito de ir e vir, cerceando os seus passos com a morte. Se as forças militares são capazes de lhes assegurar esse direito, está dado aí o primeiro passo para a garantia da sensação de segurança roubada de Paraisópolis. Mas a consolidação da sensação de segurança só virá com o empobrecimento do crime organizado.

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[Reinaldo Cabral é jornalista e escritor]