Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

BBC, mentiras e pedofilia

A credibilidade da BBC, uma instituição que se expandiu do rádio para a televisão e agora reina na Internet, onde é a fonte-mor para cidadãos mundo afora (e oferece serviços em uma caterva de línguas) jamais foi questionada.

De fato, por nove décadas essa instituição conhecida por reportagens bem apuradas, e sempre a escutar as versões opostas, era reconhecida pela sua honestidade.

O campo no qual se meteu não poderia ser mais minado. O abuso de menores. Sim, porque esse é um tema a afetar a opinião pública como poucos.

No sábado, o diretor-geral da BBC, George Entwistle, de 50 anos, renunciou ao cargo. Os motivos foram dois, ambos a envolver o programa de tevê Newsnight.

Primeiro, o famoso – até agora crível programa – resolveu não levar ao ar uma investigação de que Jimmy Savile, ex-apresentador vedete da emissora que teria abusado sexualmente cerca de 300 crianças e jovens durante pelo menos quatro décadas de sua carreira. Os atos de Savile, um carismático solteirão falecido no final do ano passado aos 84 anos, eram cometidos nos vestiários da BBC e nos hospitais aos quais doava enormes somas.

Segundo motivo pela renúncia de Entwistle, e esse é o mais recente caso: no dia 2 de novembro o Newsnight implicou um ex-tesoureiro da conservadora Margaret Thatcher em um caso de pedofilia em um hospital para menores no Principado de Gales.

A rede de tevê não deu o nome do predador, mas as redes sociais, unânimes, identificaram o Lorde McAlpine. Detalhe: Lorde McAlpine é inocente. Para piorar o quadro para a BBC, a vítima retratou suas declarações. Ela se enganou.

Causa estranheza o fato de a BBC ter levado ao ar um programa baseado nas asserções de apenas uma vítima. E, raios, por que o Lorde McAlpine não foi ouvido?

O que está acontecendo com a BBC?

Eis que entra em campo Chris Patten, presidente da Fundação da BBC (BBC Trust). Entrevistado pelo jornalista Andrew Marr na manhã de domingo em um programa da BBC, Patten concordou: “A BBC precisa de uma reforma total, estrutural e radical”.

A partir desta segunda-feira, Patten, ex-ministro do Partido Conservador e último governador colonial de Hong Kong, garantiu que um novo diretor-geral será colocado em breve no posto de diretor-geral da BBC.

Entwistle, considerado por Patten um homem “bom”, ficou apenas 54 dias no posto. Patten garantiu, porém, que o escândalo não representa o fim do programa Newsnight. E muito menos da BBC.

O presidente do BBC Trust disse, ainda, que duas investigações internas têm como objetivo descortinar a cultura da época em que Savile trabalhava; a outra busca o motivo pelo qual o programa Newsnight desistiu de levar ao ar a reportagem sobre Savile.

No entanto, até os paralelepípedos de Downing Street, o endereço do premier britânico, estavam a par dos rumores de que Savile era pedófilo.

O povo quer saber, ainda, se havia cúmplices na BBC e nos hospitais. E se sim, por que os colegas de Savile se calaram por tanto tempo?

Segundo o diário The Guardian, pelo menos três médicos de um hospital ajudavam Savile a ter contato com menores.

E Entwistle não sabia nada sobre o programa Newsnight a abordar os casos de pedofilia de Savile? Seu antecessor, Mark Thompson, que deixou o cargo em setembro após oito anos como diretor-geral da BBC, alega não saber nada sobre o que fazia Savile. Atualmente chefe-executivo do The New York Times Company, Thompson disse, porém, que está disponível para responder perguntas de comissões parlamentares no Reino Unido.

O quadro é no mínimo vago.

Um repórter da BBC, que pede anonimato, disse a CartaCapital que o problema é a falta de liderança na BBC. Diretores recebem salários astronômicos, e o próprio Entwistle levou um pacote considerável ao pedir demissão (apenas, vale lembrar, após ter exercido 54 dias no cargo).

O pacote, é lógico, criou grande polêmica entre os súditos do reinado.

Enquanto isso, os britânicos se indagam se precisam de uma rede de tevê, rádio e Internet com orçamento de 16 bilhões de dólares anuais e a empregar 23 mil funcionários. Os britânicos pagam uma “licença” (leia imposto) de 230 libras anuais pela existência da BBC.

Diante do último escândalo, a pergunta dos britânicos é válida.

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[Gianni Carta, da CartaCapital]