Se você já leu um artigo científico em inglês, deve ter percebido que o texto não é exatamente eletrizante. Mas isso não acontece só por causa do jargão científico ou do emprego de termos como metilmetanosulfonato e emaranhamento. Boa parte da dificuldade de entendimento vem do estilo tortuoso que os pesquisadores adotam na redação de artigos.
Muitos cientistas abusam de palavras desnecessariamente complicadas, bem como da voz passiva e da omissão de pronomes pessoais. Por exemplo, em vez de dizer “Realizamos a análise de acordo com o protocolo” optam por “A análise foi realizada de acordo com o protocolo”. Pode não parecer, mas depois de dez páginas lendo isso, acredite, fica chato.
Por sorte, há gente que luta contra o domínio desse estilo arcaico de escrita na ciência. É o caso da epidemiologista norte-americana Kristin Sainani, da Universidade Stanford, na Califórnia (Estados Unidos), que desde 2003 dá aulas de escrita científica na Escola de Medicina da instituição. O objetivo do curso é ajudar os alunos a simplificar a maneira como escrevem seus artigos.
No final de setembro, Sainani, que também se dedica à divulgação científica, iniciou uma versão on-line aberta do seu cursona plataforma Coursera. “Fiz isso porque queria atingir uma audiência maior”, conta ela, que já havia disponibilizado arquivos de suas apresentações e gravado vídeos no Youtube.
Para Sainani, muitos cientistas, especialmente os jovens, acham que escrever de maneira obscura é uma maneira de mostrar que pertencem à comunidade científica. “Eles acreditam que precisam usar palavras complicadas e jargões para provar que dominam esses conceitos”, explica a epidemiologista.
Outra razão para o estilo hermético seria diminuir a subjetividade. Quando estudei biologia (confissão: já fui cientista), usar voz passiva e omitir os pronomes pessoais garantia uma suposta objetividade, como se usar esses recursos de narrativa fizesse o leitor esquecer que foi um ser humano que realizou os experimentos e que tirou aquelas conclusões.
Nunca concordei muito com isso e, aparentemente, Sainani é da mesma opinião. “Remover-se do artigo não torna a ciência mais objetiva. Os experimentos e a interpretação dos dados não vieram do céu; você fez aquilo. Então, faz mais sentido que assuma a responsabilidade.”
Dicas e técnicas
Durante o curso, Sainani inunda os alunos com dicas e técnicas para melhorar a fluidez dos seus textos. Logo de cara, pede que os estudantes façam duas perguntas a si mesmos, uma antes de escrever – “O que quero dizer?” – e outra depois – “Consegui dizer isso?”.
Entre as dicas básicas estão: cortar palavras e frases desnecessárias, ser específico, seguir a estrutura ‘sujeito+verbo+objeto’, não transformar verbos em substantivos e usar construções positivas. Usando essas e outras técnicas, a epidemiologista transforma o trecho a seguir:
Este artigo é uma revisão dos princípios básicos envolvidos no projeto de um estudo de biologia do câncer, usando como exemplos estudos que ilustram os desafios metodológicos ou que demonstram as soluções bem-sucedidas para as dificuldades inerentes à pesquisa biológica.
Em…
Este artigo revisa projetos de estudo de biologia do câncer, usando exemplos que ilustram desafios e soluções específicos.
Linguagem simples
O curso on-line de Sainani é aberto a todos; seu único requisito é ser fluente em inglês. Embora seja voltado para cientistas das áreas biológicas e físicas, a epidemiologista crê que pesquisadores de ciências humanas também acharão o curso útil. Uma boa notícia, já que esse campo também tem um caso antigo com a escrita obscura.
“Qualquer um pode se beneficiar dos quatro módulos iniciais do curso, porque eles são sobre escrever bem. Já nos outros quatro, falo especificamente sobre publicar artigos científicos”, conta Sainani, para quem escrever ciência de maneira simples ajuda na hora da divulgação científica.
“Usar uma linguagem simples é importante quando se está falando para o público leigo. Isso não quer dizer que é preciso simplificar a ciência; é possível transmitir ideias complexas com uma linguagem simples e envolvente”, conclui.
Outras dicas para comunicar ciência
Em português:
>> Pequeno manual de divulgação científica, Cássio Leite Vieira
>> Guia de divulgação científica, Scidev.Net
>> Guia prático de divulgação científica, Sophie Malavoy
>> Curso online de jornalismo científico, WFSJe SciDev.Net
Em inglês:
>> Communicating science – tools for scientists and engineers, AAAS
>> Engaging the public with your research, Conselho de Pesquisa do Ambiente Natural, (NERC), Reino Unido
>> Associação Nacional dos Escritores de Ciência, Estados Unidos
>> Associação Internacional de Escritores de Ciência
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[Fred Furtado, do Ciência Hoje On-Line/ RJ]