Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Aqui, Rádio Pequim

Nas décadas de 1970 e 80 muito pouco se falava sobre computadores pessoais no Brasil. Os equipamentos custavam caro, tinham utilidades muito específicas e estavam longe de se tornarem algo a ser usado diariamente. Internet era um conceito completamente estranho às pessoas que usavam “coisas” como TK-85, TK-90X, e Exato-pró. Ninguém imaginava, nem de longe, a utilidade da web nos dias de hoje.

No governo militar, muitas informações só eram acessíveis àqueles adeptos (como foi o meu caso) do radioamadorismo e da escuta de transmissões em ondas curtas. Rádio Moscou, Rádio Pequim, Rádio França, Voz da Alemanha e tantas outras, traziam para nossa casa informações impossíveis de se adquirir no dia a dia ou no apertar de uma tecla. Hoje, várias destas emissoras encerraram os seus programas dirigidos ao exterior. Ninguém mais precisa ficar com fones de ouvido e, entre tantas interferências e ruídos, fazer força para escutar num Transglobe Philco ou num Delta DBR 5500, uma rádio que transmite do outro lado do mundo. Apesar disso, algo insólito ocorreu: ao mesmo tempo que a informação se tornou cada vez mais acessível e a sua transmissão mais rápida, sua qualidade praticamente sumiu.

É fantástico, e ao mesmo tempo deprimente, abrir páginas e mais páginas da internet e observar sempre o mesmo tipo de bobagem sendo veiculada. O nascimento de um filhote de foca em algum zoológico, alguma celebridade nacional grávida, e notícias e mais notícias sobre a histeria do aquecimento global. Apesar disso, recentemente um fenômeno chama a atenção: são os blogs e as mensagens pelo Twitter. É estranho, para alguém que já passou dos quarenta, ter novamente aquela sensação de radioamador quando se presta atenção no que está sendo escrito ali. É como se os blogueiros e os usuários do Twitter estivessem imunes a essa espécie de grande Facebook que se tornaram o New York Times, Folha de S.Paulo, Zero Hora e tantos outros “veículos” de comunicação que caracterizam a “imprensa amiga”.

A imprensa amiga é uma espécie de “jabuticaba jornalística” – algo que só existe no Brasil. São dezenas, centenas de “jornalistas com responsabilidade social” engajados na difícil tarefa de não transmitir rigorosamente nada. São pessoas que, por alguma operação psicológica desconhecida, fazem uma força imensa para permanecerem radicalmente em cima do muro. Além das enormes matérias sobre aquecimento global e casamento gay, um “jornalista engajado” adora matérias sobre ciclistas ou cadelas que amamentaram filhotes de gato, sendo capaz de escrever cadernos inteiros na edição do fim de semana do seu jornal.

Tempos de incerteza

A parte mais importante de um jornal é o editorial. É ali que o leitor percebe a chamada “linha do jornal” e se identifica, ou não, com sua posição política. No Brasil de hoje, um jornal com posição política clara é algo que deixou de existir. Todos os periódicos (sem exceção) quando querem se manifestar através de editoriais recorrem a um grupo seleto de intelectuais, invariavelmente ligados ao grande centro acadêmico petista que se tornou a universidade brasileira. O que sai da caneta dessa gente é sempre a mesma coisa: uma apoteose de relativismo moral formada por uma mistura tupiniquim de marxismo, psicanálise e tolerância religiosa de fundo ateísta.

A primeira analogia que me ocorre, quando penso no conteúdo intelectual dessas matérias, são aquelas geleias coloridas que as crianças ganham de presente e brincam de atirar na parede. É assim que um “artigo” sobre desarmamento, eutanásia ou pena de morte, uma vez publicado nas páginas de opinião de algum grande jornal brasileiro é capaz de “agradar a dois Josés” – o Sarney e o Dirceu.

Quanta hipocrisia, quanto cinismo, que esforço fantástico para não parecer retrógrado, preconceituoso, racista, homofóbico, xenófobo, maquiavélico, direitista, conservador, fanático religioso, machista, separatista, e por aí vai. A lista de fobias do jornalismo brasileiro é capaz de gerar um tratado de psiquiatria. Mas o mais impressionante é o seguinte: tudo isto sem censura oficial. É algo pior: é a autocensura. Esta não precisa de caneta vermelha ou de matérias vetadas voltando para redação. Ela é mais eficaz por que se faz sem sentir através da verdadeira geração de anencéfalos que são os novos jornalistas brasileiros. Eles representam a prova de que a Revolução Cultural venceu no Brasil.

Antes do PT tínhamos uma universidade em que as pessoas entravam com valores semelhantes e saíam de lá com ideias diferentes. Hoje, e as faculdades de jornalismo são a prova disso, os futuros formadores da opinião pública entram nos bancos universitários com princípios diferentes, e saem de lá pensando todos a mesma coisa. Foi isso que o lulopetismo conseguiu fazer com a nossa imprensa: transformá-la em algo apático, inútil e a serviço de um partido que aprendeu a vencer sem disparar um tiro ou gastar um tostão.

Minhas ilusões ainda não estão perdidas. Tenho esperança de que um dia tenhamos uma praça chamada Otto Maria Carpeuax, um largo Paulo Francis, uma avenida Olavo de Carvalho ou um viaduto Reinaldo Azevedo… Sinto saudade até de escutar um velho “Aqui, Rádio Pequim” e saber, afinal de contas, o que pensavam aquelas pessoas lá do outro do mundo, mas esse tempo das certezas já se foi e se alguém quiser criticar ou elogiar estas linhas, não vai ter um trabalho maior do que clicar “curtiu” ou “não curtiu”…

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[Milton Pires é médico, Porto Alegre (RS)]