Sunday, 17 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

O feltro sobre Berlim

Era uma vez um projeto de grande prestígio a ser realizado na capital alemã para colocar de vez um ponto final no aspecto de vilarejo da cidade de Berlim. “Großflughafen”, um aeroporto único para servir a cidade de Berlim e a região vizinha de Brandenburgo. Os chamados “aeroportos-cidade” Tegel e Tempelhof seriam fechados e a capital alemã conseguiria provar para as irmãs ricas Frankfurt e Munique que também é capaz de executar grandes projetos com sucesso.

Toda a mídia do país se mostrava eufórica com a anunciada a abertura do “BER”, como é chamado popularmente. A realidade é que a data de inauguração do Aeroporto Internacional Willy Brandt já foi adiada quatro vezes. Adiamentos que custarão caro ao contribuinte. Ao invés de custar 1,7 billhão de euros, como anteriormente calculado, os custos já alcançaram a casa dos 4 bilhões de euros. Isso sem contabilizar o prejuízo das companhias aéreas que, contando com o novo aeroporto, compraram e encomendaram aviões de grande porte. A companhia aérea Air Berlin foi a mais prejudicada.

As datas já divulgadas para a inauguração: 30 de outubro de 2011, 3 de junho de 2012, 17 de março de 2013 e 27 de outubro de 2013.

No final da noite de domingo (6/1), notícias foram surgindo no pé das páginas dos jornais informando que a data de abertura planejada para 27 de outubro de 2013 não poderia ser cumprida. Na manhã de segunda-feira (7/1), a notícia era manchete em todos os jornais do país e um dos temas mais comentados no Twitter.

O prefeito de Berlim, Klaus Wowereit, é também é membro do conselho da holding responsável pelo controle de todas as firmas, inclusive as terceirizadas, envolvidas na construção do novo aeroporto. A situação chegou a tal ponto que ninguém mais se atreve a divulgar qualquer data antes de uma vistoria meticulosa, que ninguém sabe quanto vai durar. As coletivas de imprensa sobre esse tema se tornaram verdadeiras desmontagens dos participantes: ao vivo e em cores, o mico de Berlim para todo o país.

Como foi divulgado domingo (13/1) em horário nobre na TV aberta ARD, no programa do jornalista Günther Jauch, as empresas terceirizadas não terão nenhum direito a qualquer tipo de ressarcimento dos prejuízos. As empresas com contrato terão que recorrer à Justiça.

Quanto mais o tema do momento é usado como pauta nos programas de TV, fica claro que o “caos de Berlim”, como chamado pela imprensa, se tornou possível por ser um jogo político, ou seja, na diretoria da holding estão políticos e não engenheiros planejadores com experiência na área.

Os três acionistas são a cidade de Berlim, a região de Brandenburgo e o governo federal, na pessoa do Ministro de Transportes Ramsauer, representado na holding pelo secretário de Estado do seu ministério. A falta de um soco na mesa do ministro causa, por um lado, estranhamento na mídia, e por outro ratifica o estilo do gabinete de Angela Merkel: esperar a tempestade passar sem dar um pio.

A bomba midiática na segunda-feira (7/1) foi um tanto precipitada, usando como bode expiatório o prefeito de Berlim, Klaus Wowereit, que desde o primeiro adiamento é olhado de forma muito crítica pela mídia do país, com exceção do tabloide Bild, sempre cheio de eufemismos quando se trata de notícias sobre o prefeito assumidamente festeiro.

Ainda na segunda-feira foi anunciado que o Partido Verde e os Piratas iriam fazer, em conjunto, um requerimento no parlamento regional de Berlim para tentar forçar a renúncia de Wowereit. Mais uma vez o prefeito mostrou ter fôlego e, com o apoio do seu partido, conseguiu se manter no cargo. Em discurso transmitido ao vivo pela TV regional de Berlim RBB, sob a rubrica “Heute im Parlament” (Hoje no parlamento), Wowereit se mostrou tinhoso em discurso agressivo como a melhor forma de defesa. Entre gritos de protestos do parlamentares, Wowereit afirmou: “Numa situação como esta, é muito mais fácil jogar a toalha e fugir da responsabilidade. Eu quero provar que tenho competência para levar adiante esse projeto”.

Os partidos de oposição declararam: “Wowereit prejudicou imensamente a imagem de Berlim em âmbito internacional, além de tirar dos cidadãos da cidade qualquer confiança na capacidade desse senado. Berlim precisa de um recomeço”.

O jornal Süddeutsche Zeitung reagiu ao debate com o seguinte comentário: “Wowereit diz que quer provar que tem competência para executar o projeto, competência essa que ele agora não teve. Como acreditar?”

Ultimato

Enquanto as manchetes de artigos de hora em hora tinham formato de ultimato, forçando o rolar da cabeça de Wowereit, o tablóide Bildzeitung fazia uso inflacionário de eufemismos. O jornal Süddeutsche Zeitung (9/1)publicou: “O chefe do partido socialdemocrata federal e o chefe regional conversaram com o prefeito sobre a sua renúncia”. Esta notícia foi logo depois desmentida pela assessoria de imprensa do partido. Jan Stöß, chefe dos socialdemocratas em Berlim, jurou de pé junto no noticiário regional Abendschau que essa notícia é especulação. Perguntado pelo apresentador quem deve ser prefeito de Berlim, ele, um tanto relutante, balbuciou “Wowereit”, com um tom de resignação de quem não tem alternativa.

Amansando a mídia

Fazendo no início da semana um jogo político bem previsível, Wowereit renunciou como membro de direção da firma Flughafen Holding, tentando ganhar tempo e acalmar a mídia feroz desses dias. Mesmo que tenha conseguido ficar no cargo de prefeito, a imagem de Wowereit está destruída. Ele não conseguirá se livrar da aura do fracasso acoplado a todos os escândalos e micos dos últimos anos envolvendo o projeto (ver “Berlim, a ovelha negra da República“).

Em todo esse terremoto midiático, o mais transparente é que os berlinenses estão fartos do estilo político do prefeito. É mais fácil obter o perdão da opinião pública alemã, apresentando-se à imprensa, assumindo o erro e pedindo desculpas. Principalmente os berlinenses, acostumados com todo o tipo de imperfeição, conseguem perdoar, mas o orgulho e a personalidade tinhosa do ainda prefeito impede que opte pelo caminho da diplomacia.

Um dos comentários dos leitores do Süddeutsche Zeitung dizia: “Como é possível alguém ter pensado que esse homem poderia obter ascensão no âmbito político federal?”. Outro comentário: “Para Wowereit, agora não há mais qualquer outra alternativa a não ser a renúncia de todos os cargos”.

O desgaste político

A forma de fazer política do prefeito mostra claramente o estilo de praxe há décadas na política regional de Berlim. Desde a época do democratacristão Gerhard Diepgen, prefeito de Berlim Ocidental na época da queda do muro, o estilo político na cidade vem seguindo uma triste tradição: manter o poder a todo custo, suscitando ainda mais a aversão pela política como um todo, sem falar no terremoto na constelação político-partidária atual do país e o governo movido a letargia da chanceler Angela Merkel.

A popularidade

Em recente enquete feita pela revista Stern, 75% dos ouvidos afirmam que políticos que fracassam em projetos deste porte não têm competência para governar uma capital. 8% afirmam que já estão fartos de ver o prefeito e manifestam total desinteresse em sua pessoa; 17% afirmam que políticos não têm mesmo como fiscalizar um projeto desse porte.

Em quase 12 anos no cargo, a popularidade de Wowereit vem evaporando sistematicamente. Um termômetro sempre foi a cerimônia de abertura do festival de cinema de Berlim, onde é o prefeito, com discurso sempre igual, que abre o oficialmente o evento. Durante o primeiro mandato, Wowereit arrancava aplausos calorosos de longa duração. Com o passar dos anos, esses foram ficando minguados, mais curtos e apresentavam somente um cunho de gentileza.

Wowereit conseguiu alongar o seu período no poder, mas está politicamente no fim da linha. A agressividade e o ritmo frenético com que a mídia acompanha o caso ratificam isso. Além do mais, a “novela aeroporto” está longe de ter seus capítulos finais.

No programa de Günther Jauch (13/1), foi divulgado que a holding ainda procura candidato para a chefia executiva do projeto. Além disso, a cabeça de Rainer Schwarz, o atual engenheiro responsável, está para rolar em breve. O fato de ter sido divulgado que sua indenização por quebra de contrato por parte da holding lhe renderá 1,8 milhões de euros fez botar mais lenha na fogueira midiática e nas conversas informais.

Ratificando o escárnio frente ao prefeito e seu fracasso nesse empreendimento, a seguinte frase se tornou corriqueira na capital: “Ninguém tem a intenção de construir um aeroporto”, em tradução livre da frase do político Walter Ulbricht que no dia 15 de junho de 1961, frente à imprensa, garantiu: “Ninguém tem a intenção de construir um muro”.

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[Fátima Lacerda é jornalista freelance, formada em Letras, RJ, e gestão cultural em Berlim, onde está radicada desde 1988]