O tempo sempre foi um fator crítico no jornalismo. O exercício da atividade que despontou para o profissionalismo no século 19 já comportava queixas naquela época sobre a pressão dos horários e a rapidez crescente demandada pelos incipientes consumidores. “O leitor exige brevidade acima de tudo”, anotava o prefácio do anuário da imprensa francesa de 1875.
Também não é novidade que a prática jornalística foi sempre afetada periodicamente pelo impacto de inovações tecnológicas que chegavam ao mercado. Os textos telegráficos, na esteira da invenção do telégrafo, jogaram por terra, por exemplo, a tradição literária que o jornalismo francês tanto prezava até a virada do século 20. “Informação total e rápida, à americana”, resumiu o jornalista Eugène Melchior, no Le Figaro, como relata o estudioso português Nelson Traquina.
O mesmo autor identifica nos tempos de hoje o que classifica como “o cúmulo do imediatismo”, proporcionado pela revolução dos computadores em rede global. Mas não negligencia a influência decisiva da cultura dos jornalistas na produção da notícia. É à luz dessas pinceladas históricas que o desafio do Valor Econômico de implantar um serviço de informação em tempo real – o Valor PRO, agora lançado – pode ser mais bem avaliado em sua dimensão jornalística e empresarial.
Modelo de redação integrada
Com uma trajetória vitoriosa na plataforma impressa, construída com celeridade e rigor, sempre foi muito claro no Valor que a transposição dessa excelência editorial para o meio eletrônico não se resumiria à discussão sobre ferramentas tecnológicas ou engenharia de produtos. Antes, tratava-se de estimular a participação ampla da redação para entender o universo que se adentrava e as suas peculiaridades.
Os grupos de trabalho que se formaram ainda no início da implantação do projeto puderam abordar desde as questões éticas relacionadas ao exercício do jornalismo em tempo real às rotinas de cada segmento noticioso, passando pelas características de texto e enfoque. Novas narrativas entraram no universo de uma redação até então voltada em sua inteireza à dinâmica do jornalismo impresso e aos seus códigos noticiosos.
As atenções iniciais se dividiram para também focar o desenho capaz de integrar a redação em suas múltiplas tarefas e plataformas. Aquilo que costuma se resumir a um discurso teórico e visionário tornou-se prática corrente no Valor. O modelo de redação integrada colocado em operação partiu da estrutura das editorias já existentes no processo de produção do veículo impresso, ampliando a sua abrangência para o meio digital e delegando à área batizada de Mesa Digital o papel de articular e facilitar as novas rotinas. É na Mesa, também, que está a cobertura nervosa dos principais mercados financeiros no Brasil e no mundo.
Plataforma em tempo real
A implantação dessa arrojada arquitetura de redação não foi tarefa corriqueira. Um serviço de informação em tempo real impõe urgências na operação editorial, altera a percepção de relevância das notícias e instala outro ritmo de funcionamento, com impacto nos horários e nos perfis profissionais. O foco no mercado financeiro traz para dentro do noticiário as tensões da busca incansável pela antecipação de fatos para municiar usuários às voltas com decisões ágeis e ousadas.
Ao mesmo tempo, era preciso evitar a desorganização do processo de produção dos conteúdos para a plataforma impressa, razão primeira da existência da empresa e de sua liderança nacional no segmento de informação econômica, financeira e de negócios. A ampliação do número de profissionais para dar suporte à nova operação não poderia ser a única saída oferecida nesse cenário.
A convivência com a crueza da cobertura em tempo real, acelerada de forma mais aguda pelos dispositivos eletrônicos contemporâneos, teve como resposta no Valor a valorização ainda maior dos conteúdos analíticos e contextualizados. O contraponto à maré incessante de informações, que deságua nos terminais dos usuários, é justamente a ponderação da análise ou a nuance da interpretação, que levam maior valor agregado a esses leitores especiais – os consumidores profissionais de informação, como já foram chamados. Nesse contexto, poucos veículos brasileiros podem ostentar a capacidade instalada da redação do Valor para produzir conteúdos com qualidade e exclusividade. Especialistas nos mais diversos setores econômicos foram formados ao longo de mais de uma década de história de um jornal assentado em bases sólidas e confiáveis. São esses profissionais que se integram agora à nova plataforma em tempo real, ao lado de jovens jornalistas que foram treinados intensivamente ao longo do último ano.
Ciclo que está apenas começando
Um passo precedente na implantação da nova operação foi a montagem de uma rotina de cobertura factual, necessária para os novos horizontes gestados pela empresa. Por sua natureza diferenciada e exclusiva, o jornalismo praticado pelo Valor tangenciava as coberturas de caráter coletivo, que muitas vezes apenas confirmavam as informações já prestadas aos seus leitores no jornal impresso. Para a criação de uma usina de informação, como se caracteriza o serviço em tempo real, foi necessário ampliar a abrangência operacional da redação, tendo como ponto de partida uma pauta única, que contempla tanto as coberturas factuais como as informações exclusivas garimpadas pelos repórteres e as reportagens especiais. Nesse esforço, os horários da operação se estenderam pela madrugada e ganharam vida nas primeiras horas da manhã.
Entre os instrumentos colocados à disposição da redação integrada, destaca-se ainda um manual específico para consagrar os padrões editoriais adotados no noticiário em tempo real, em harmonia com as normas gerais da casa, antes focadas apenas nos produtos impressos. Assim como todas as demais etapas do projeto, também o manual foi precedido de ampla discussão com os profissionais que participam da construção desse novo espaço editorial.
Para absorver as mudanças nas rotinas de trabalho foram consumidas centenas de horas de treinamento, o que sublinha a importância de se contar com recursos humanos de alto nível de qualificação – capazes de multiplicar habilidades e gerar conhecimento. Até porque a complexidade trazida pela convivência com diferentes formatos e estilos jornalísticos dentro de uma redação única representa um desafio constante aos seus integrantes. O Valor PRO é o resultado primeiro de um ciclo que está apenas começando.
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[Beth Cataldo é jornalista e coordenou a definição da cobertura de tempo real pela redação integrada do Valor]