Angela Merkel é uma das pessoas mais poderosas do mundo. Rupert Murdoch, o dono da News Corporation, é muito poderoso também.
Que Merkel tem o poder de definir o futuro da Europa é óbvio. Mas que Murdoch também vá exercer um papel central nessa definição, isso é menos óbvio. Mas possível.
Como é sabido, o primeiro-ministro britânico, David Cameron, acaba de anunciar que pretende submeter a plebiscito a permanência do Reino Unido na União Europeia.
Essa consulta popular seria realizada antes do final de 2017. Antes de fazê-la, Cameron vai tentar obter tanto concessões específicas para o Reino Unido como reformas amplas no modo em que opera o acordo entre os 27 países-membros.
Em particular, Cameron indicou que deseja recuperar o poder de tomar em seu país decisões que agora são tomadas em Bruxelas pelos órgãos da União Europeia. Desde a agricultura e a pesca à política social, desde as normas do setor financeiro e do ambiente às políticas de imigração e defesa, Cameron pretende iniciar uma negociação ampla e ambiciosa com a Europa.
As interpretações sobre quais são os objetivos de Cameron e as consequências de sua iniciativa audaz são muitas e variadas.
Para alguns, é uma artimanha transparente para separar-se de uma Europa enfraquecida pela crise e com seu peso no mundo diminuído. Para outros, seria uma tentativa de extorquir a Europa para obter vantagens. E para outros ainda, como o ex-vice-chanceler alemão Joschka Fischer, trata-se simplesmente de uma loucura que não convém nem ao Reino Unido nem à Europa e que atende apenas a interesses particulares e aos cálculos políticos míopes de Cameron.
Um ou outro
Há também quem pense que, para os britânicos, o custo de sair da UE seria proibitivamente alto e que, no final, a maioria deles não votará pela saída. Esta última possibilidade supõe, é claro, que a opinião pública britânica será informada de modo imparcial e completo sobre os custos e benefícios de continuar ou não a fazer parte da UE.
Até agora, não tem sido assim. Os tabloides britânicos de Murdoch têm mostrado uma furibunda e, com frequência, tendenciosa oposição à integração com a Europa. E não são apenas os tabloides de Murdoch.
Do outro lado de tudo isso está Angela Merkel, que certamente vai fazer tudo o que estiver ao seu alcance para não ficar na história como a líder sob cujo mandato o projeto de unificar a Europa fracassou.
Apesar de o continente poder continuar sua integração sem a participação do Reino Unido, não há dúvida de que a saída dos britânicos seria um golpe sério.
Além disso, se o plebiscito de 2017 resultar nisso, os movimentos anti-integracionistas de outros países europeus ganharão força, podendo até mesmo produzir-se por contágio uma série de referendos de ânimo separatista em todo o continente.
Por essa e por outras razões muito boas, Merkel fará o possível para impedir a saída do Reino Unido.
Veremos quem tem mais poder, a chanceler ou o magnata da mídia.
***
[Moisés Naím é colunista da Folha de S.Paulo]