Thursday, 26 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

O melhor dos melhores

O incêndio na boate Kiss, em Santa Maria (RS), foi, é, e será notícia por um bom tempo. Sem dúvida, um fato que merece repercussão pela mídia tradicional. Mas os excessos, muito comentados neste Observatório da Imprensa tão logo se iniciou a cobertura do acidente, incitaram a produção de mais textos sobre aquilo que já estava em demasia. A crítica ironicamente estendeu ainda mais o que julgara ser exagerado. Condenou serem inapropriadas certas abordagens e o destaque do Jornal Nacional que, no dia seguinte à fatídica noite, deslocou um time de repórteres à cidade gaúcha com direito a apresentação ao vivo de William Bonner em frente à boate onde o incêndio ocorreu.

A comoção tomou conta do país. A mídia internacional noticiou com igual ênfase. O papa enviou palavras de solidariedade e o secretário-geral da ONU lamentou as mortes de tantos jovens. Diante desse cenário, ainda é possível afirmar que a imprensa brasileira errou ao se debruçar nesta pauta? A resposta mais racional seria negativa, embora a abordagem de algumas coberturas – a dos enterros, por exemplo – tenha apelado para uma dramatização desnecessária e uma narrativa que incluía trechos como “os garotos que só queriam se divertir”.

A imprensa tece o presente e se na ordem do dia o tema é triste, a manchete naturalmente não nos fará sorrir. O problema, mais uma vez, está na abordagem. É a maneira como a informação é comercializada, que estabelece essa relação aparentemente promíscua com o sofrimento. Prova disso, e razão principal deste texto, é o resultado da capa do suplemento “Folha 10”, do jornal Folha de S.Paulo (nº32, 2 e 3 de fevereiro de 2013). No topo da capa, a publicação estampa, abaixo de seu nome, o subtítulo “o melhor da semana em 10 textos”.

O que de pior acontece

Para efeito de marketing, tudo certo. Entretanto, quando o olho parte para a manchete, lê-se a palavra “tragédia”. Em seguida, o complemento: “Caos, terror e mortes em um dos piores incêndios do país”. A gravidade dá suporte ao tom. Note, no entanto, que foram utilizadas cinco palavras de grande impacto negativo: tragédia, caos, terror, mortes, piores. O deslize não está no discurso, mas numa infeliz contradição. Infeliz, pois não proposital. Como pode o melhor da semana ser algo tão terrível? E se está na capa, seria então o melhor dos melhores?

A situação pediria uma excepcional troca do nome do suplemento para os destaques da semana em 10 textos, ou, num ato de respeito e até de sagacidade – arrisco dizer – omitir o início do nome original e deixar apenas a semana em 10 textos? Não teremos respostas. Essa contradição expõe mais que uma infeliz coincidência. Ninguém seria louco de afirmar que tal fato é o melhor da semana. O que a observação aponta é que os leitores consomem o fantástico, o extraordinário, o chocante. E a imprensa se esforça para oferecer o que é atrativo a esse público pagante. A fórmula do que importa e o que faz vender ficou sobremaneira evidenciada.

Sim, o “Folha10” é, na essência, o resumo dos temas mais relevantes dos últimos sete dias. A questão é que num mundo instável e complexo e, sobretudo, num país onde problemas não são assuntos esporádicos, o suplemento que traz o melhor da semana corre o risco de ilustrar com muito mais frequência o que de pior acontece entre nós.

***

[Guilherme Baroli é jornalista]