Esta sanha punitiva não tem nada de racional. É pura emocionalidade que, no afã de fazer frente ao clamor, à pressão popular e da mídia, abdica de estudos científicos e parte para a criminalização indiscriminada como solução. Clamor que tem sua razão de ser, se justifica. Alguma providência deveria ser tomada face ao descalabro, presenciado em todos os fins de semana e feriados, de acidentes graves e fatais no transito. O que não se justifica é, a partir deste estado de coisas – para fazer média, se alinhar com um tipo de opinião publica que sempre clama por soluções radicais/conservadoras como pena de morte e volta da ditadura face a corrupção política –, criminalizar indiscriminadamente, abandonando critérios técnicos e científicos.
No caso especifico do uso de álcool por motoristas instaurou- se um modelo punitivo que faz a alegria das igrejas fundamentalistas que abominam os prazeres terrenos (quem já foi a uma festinha ou um aniversário onde predomina a presença de evangélicos e ousar, hereticamente, beber uma cerveja e deixá-la sobre a mesa, sabe do que estou falando) e que em nada atende a preceitos científicos. Não sou estudioso do assunto, mas sei que em muitos estados americanos vigora uma lei baseada em testes psicomotores – como caminhar sob uma linha reta imaginaria, abrir os braços e tocar o nariz com as duas mãos e fazer o velho e manjado quatro. Parece prosaico, mas considero mais cientifico do que prender um pobre coitado que tomou um ou dois chopes ou comeu um a refeição regada a vinagre de álcool.
Sentimento de pânico
Não estou dizendo que motorista bêbado não deve ser punido. Posso estar equivocado, mas minha percepção é que os limites não estão sendo determinados cientificamente. Menos que isso: não estão havendo critérios sensatos. Impera apenas o desejo punitivo cego e vingativo. Não falo em defesa própria porque costumo beber em casa. Aliás, fui pego em uma blitz na praia antes do fim do ano e o bafômetro nada acusou. O que me impressionou foi ver pessoas, que foram paradas pela mesma barreira policial, sendo incriminadas mesmo não apresentando sinais visíveis de embriaguez e de incapacidade psicomotora, apesar de terem bebido, isto é, somente passaram dos limites permitidos e foram enquadrados em delito grave com perda de carteira de motorista e risco de prisão. Pessoas que, com certeza, fariam os testes de avaliação de capacidade psicomotora, como os mencionados no parágrafo anterior, e não acusariam incapacidade.
Meus cumprimentos a Fernando Costa Mattos que, em artigo na FSP, acertou em cheio com suas ponderações equilibradas e racionais que levam em conta um amplo leque de causas (dirigir com sono, dirigir falando ao celular, dirigir mal, dirigir carro com defeito) que concorrem em maior ou menor grau para que ocorram acidentes de trânsito. Diz mais: aparentemente, dirigir a 250 km/h é menos grave, aos olhos do legislador pátrio, do que dirigir cautelosamente, para percorrer um trajeto curto, tendo tomado um ou dois chopes. Estas questões, segundo ele, só não são levadas em conta porque não levam a chancela do neomoralismo da saúde, novo tutelador- mor dos hábitos e costumes da República. Discordo desta última afirmação dele, que considero exagerada. Como já disse antes, alguma coisa deveria ser feita. O pior é que ele disse tudo isto analisando a lei anterior a atual, sancionada pela presidente da República em 20/12/2012, que era muito menos draconiana. O avanço, no meu entender, foi a inclusão de proibição de uso de substâncias psicoativas como, por exemplo, a maconha.
Outro efeito colateral desta nova lei, que, reitero, deve ser rigorosa desde que atenda requisitos científicos, é a instauração do sentimento de pânico no sujeito que se vê na iminência de ser pego em flagrante delito e, desesperado, corre o risco de cometer delitos e riscos maiores ao optar pela fuga. Não falo em defesa daqueles que realmente estão em situação de embriaguez incapacitante, mas nos que beberam o suficiente para serem enquadrados como criminosos e ao se darem conta disso entram num estado de pânico capaz de gerar atitudes muito mais comprometedoras e graves.
Humoristas sem senso crítico
Um ponto relevante que pode ser mais bem analisado pelos juristas diz respeito ao direito constitucional do cidadão de não criar provas contra si e que está sendo lesado nesta lei. Direito que é garantido a, por exemplo, Carlinhos Cachoeira, que cometeu atos muitos mais lesivos ao tecido social do que um sujeito que tomou um ou dois chopes e ultrapassou os limites de ingestão alcoólica.
Aproveitando esta onda neomoralista e emocional que levou a mais alta corte a proferir uma decisão extremamente discutível, um vereador de São Paulo criou uma lei proibindo a carona do motoqueiro. A razão, melhor, a desrazão invocada foi que os assaltos se dão sempre em dupla de motoqueiros. Tudo isso passa batido pelos humoristas da hora que não têm um mínimo de senso crítico, alienados que são, para ver o ridículo, o absurdo destas histórias que fariam a glória de gente da estirpe de um Stanislaw Ponte Preta ou o Barão de Itararé.
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[Jorge Alberto Benitz é engenheiro e consultor, Porto Alegre, RS]