Olhando de longe, até lembra um dramalhão italiano: vozes inflamadas, falas desencontradas e uma ameaça paira no ar. Após as eleições de domingo e segunda, a Itália se viu sob a névoa de sua própria democracia, tendo eleito o socialista Pierluigi Bersani para o cargo de primeiro-ministro – mas sem maioria tanto no Senado quanto na Câmara, o imbróglio era tão complicado que aventou-se a chance de novas eleições, sendo isso o suficiente para as bolsas mundo afora entrarem em polvorosa. Apesar desse cenário incrível, o herói da batalha é outro: Beppe Grilo, o símbolo de uma geração que prega a antipolítica – dentro da política.
A CNN o chamou de “rei dos palhaços”. Os dois principais periódicos da terra da bota – Corriere dela Sera e Repubblica – parecem ainda não ter se acostumado com aquele que passou as décadas de 80 e 90 divertindo a televisão italiana e que, em 2009, criou a partir de um blog o Movimento 5 Stelle (movimento cinco estrelas), sem nenhuma pretensão além da conscientização do povo. Talvez nem os próprios italianos imaginassem a efetividade de Grilo.
A organização não difere em nada de um partido político: monta palanques, recebe doações e tem seu nome na cédula de votação. A imagem de salvador do líder do movimento não é fomentada, mas também não é negada: no último mês, a 5 Stelle fez uma tour de discursos inflamados pelo país em comícios que foram parar, na íntegra, no YouTube. Roma, Nápoles, Milão, Turim, todas foram dominadas pela Tsunami Tour.
Asemente da e-democracia
Mas a base filosófica que atraiu tantos eleitores descontentes – seja com os constantes desvios de Silvio Berlusconi ou com a incapacidade de Mario Monti – é a noção de que, apesar da falibilidade da política moderna, ainda existe uma luz no fim do túnel. Logo na segunda eleição, em 2012, membros foram eleitos nas cidades de Parma e Gênova. O prefeito de Sarego, uma cidade no Veneto, foi o primeiro a ocupar o executivo pela legenda. Para a surpresa geral, um dos primeiros atos do grupo foi cortar regalias e os altos salários dos parlamentares.
Mesclando a vontade de limpar a sujeira da política de Jânio Quadros com o ativismo virtual de uma geração cada vez mais reclamona e conectada – Beppe já posou com as famosas máscaras vinculadas ao grupo Anonymous – O M5S, como é conhecido, deu um nó nas convenções sobre política moderna e mostrou-se como um caso único de partido que não é, necessariamente, esquerda ou direita ou centro. Como se os céticos resolvessem dar o exemplo. O resultado deste final de semana, para os seguidores do comediante, é memorável: 23,7% dos votos, 109 deputados (de um total de 630) e 54 senadores (de um total de 315). Isso sem nenhuma coligação.
Um “cinco estrelas”?
A ascensão de Beppe em uma nação politicamente tão rígida como a Itália equivale a como se Tiririca, o ex-palhaço que hoje representa São Paulo na Câmara Federal, bebesse das águas da oratória para o povo e redigisse discursos emocionantes, fazendo a população acreditar que ainda há chance para o tão desesperançoso cenário nacional. O sucesso da empreitada na terra da bota – que fez com que o vencedor Bersani buscasse diálogos quase imediatos em busca de coalizões – nos faz pensar como se sairia um movimento como esse em terras brasileiras. Talvez seja apenas questão de tempo: a recém-lançada proposta de Marina Silva, a Rede, parece seguir os mesmos passos em direção à camada mais descontente. Porém há quem tenha suas dúvidas sobre os principais investidores da causa, como as grandes corporações e a intelligentsia que a ajudaram a angariar poder desde as eleições de 2010. Não passa ainda de um projeto que necessita, antes da aprovação pelo TSE, do crivo de 500 mil pessoas, como exige a Constituição.
Por ora, o que vale é ficar maravilhado com o 5 stelle. A missão bem sucedida de Beppe Grillo, que foi tornar uma massa de 8.689.168 pessoas (grande parte deles consideráveis absentes) em confiantes em uma causa é digno dos grandes cases de ciências políticas. Talvez a semente da e-democracia esteja apenas germinando, tanto lá quanto no restante do planeta. Por pior que seja, o jeito é esperar.
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[Guilherme Lázaro Mendes é estagiário de redação, Carapicuíba, SP]