O mês de março de 2013 começou com três fatos não programados e que impressionaram grande parte do mundo. Em 5 de março, a Venezuela perdeu o seu presidente e grande líder para o câncer. Hugo Chávez faleceu em uma terça-feira depois de meses de tratamento na capital cubana. Simultânea à sua morte, no dia 11 houve a demissão de todos os repórteres da revista Caros Amigos. O fato decorreu de uma greve iniciada três dias antes devido à redução de 50% no salário dos funcionários. Já na quarta-feira da mesma semana a comoção maior foi destinada aos fiéis católicos que puderam ver o rosto de seu novo papa, o argentino Jorge Mario Bergoglio. O papa Francisco tornou-se chefe do Estado do Vaticano depois da renúncia de Bento 16, em fevereiro de 2013. Os três eventos causaram exibição na imprensa (uns mais que outros), e abriu-se a análise quanto ao papel dos meios de comunicação e a opinião que o mesmo traduz.
Na própria Venezuela, Chávez era visto por muitos como um herói e por outros como um vilão autoritário. No entanto, falar da vida de um homem considerado uma das 100 pessoas mais influentes no mundo não é algo para ser feito apenas com “achismos” ou opinião própria, como alguns veículos fizeram. Um exemplo notório pode ser visto na nem um pouco imparcial Rede Globo de televisão. Na terça-feira da morte de Chávez, o jornalista William Waack começou o Jornal da Globo com uma matéria retrospectiva da vida do venezuelano. A chamada foi exatamente o esperado para os padrões do canal de Roberto Marinho: “Cercado de mistério e acusações de conspiração internacional, morreu de câncer hoje, aos 58 anos em Caracas, o presidente da Venezuela, Hugo Chávez.” A matéria segue com o correspondente em Nova York Jorge Pontual, o qual mostra a comoção do povo venezuelano e a repercussão de sua morte no país de origem e em outros.
Hermano papa
Porém, o que mais sinaliza a falta de imparcialidade do veículo é o tom negativo da reportagem, tanto no texto, como na seleção das imagens e na música de fundo. Waack narra que Chávez começou na política com um golpe, assim como muitos líderes do continente. Fala também sobre o aumento da corrupção e da inflação durante os anos do caudilho, mas em nenhum momento faz alusão a números que afirmem o fato. Em nenhuma ocasião também a rede lembra de que houve a diminuição em 75% do nível da pobreza durante os anos de seu governo, ou que 98% dos venezuelanos realizam três refeições ao dia (dados da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação – FAO), ou ainda a diminuição do analfabetismo e a construção de universidades. A informação foi manipulada e transmitida como a única verdade. Seria assim tão necessária a atitude da Globo? No dia 14 de abril serão realizadas novas eleições para a escolha do presidente e os candidatos são o vice de Chávez, Nicolás Maduro e Henrique Capriles. Não há dúvidas quanto ao lado que a Rede Globo adotará.
É nas horas em que se vê o fechamento de um jornal ou revista de grande peso que se lamenta a existência de alguns baixos jornalismos atuais. Uma parte (talvez pequena) dos brasileiros sentiu a tristeza de ver a revista Caros Amigos passar por uma greve e demitir toda a redação, centralizada em 11 repórteres. A revista foi fundada em 1997 com uma visão esquerdista e com o perfil de realizar reportagens investigativas. A equipe de repórteres disse em nota que trabalhava com atraso nos salários (sendo ele abaixo do piso), falta de registro em carteira e não recolhimento de INSS e FGTS, mas o estopim deu-se quando foi realizado o anúncio da redução em 50% no salário dos funcionários. A greve foi iniciada na tentativa de ampliar as vozes e a união, mas a demissão soou mais forte e agora uma nova equipe está sendo formada para trabalhar no veículo (provavelmente que aceitem trabalhar por um salário menor). Em ocasiões como essa, por mais que o Sindicato tente permanecer unido, a lógica do capital prevalece.
Em nota, a Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) demonstrou apoio aos grevistas da revista Caros Amigos, e repudiou também as demissões que estão acontecendo na Rede Record do Rio de Janeiro. Para evitar o termo demissão, a diretoria da rede carioca preferiu pelo eufemismo com a palavra “reestruturação”. Vale lembrar que diferentemente da Caros Amigos que sofre com a diminuição das vendas e aumento no custo de distribuição, a Record cresceu 150% em três anos, sendo a demissão de 14 jornalistas no ano passado injustificável. O que se espera dessa situação é que a Caros Amigos e outros periódicos de qualidade não tenham o mesmo fim que o Jornal da Tarde, o qual deixou de circular em outubro de 2012 depois de 46 anos de história.
Em fevereiro, Bento 16 surpreendeu o mundo com a sua renúncia como papa depois de sete anos no Vaticano. O alemão deixou oficialmente o título no último dia do mês do anúncio e depois foi aberto o conclave para a escolha do seu sucessor. Há fontes que dizem que o não tão favorito e atual papa, Jorge Mario Bergoglio, teria ficado em segundo lugar na época da eleição de Bento 16, em 2005. Nessa semana, Bergoglio tornou-se papa com 77 votos e com a escolha de um nome que carrega um legado de ajuda aos pobres. A seleção de um representante latino-americano surpreendeu para o cargo expõe mudanças no perfil do catolicismo atual. As mudanças e o perfil do hermano foram muito abordados pelos meios de comunicação, citando novamente como exemplo da Rede Globo.
Jornalismo imparcial
Na quinta-feira, um dia após o anúncio papal, o Jornal Nacional realizou o seu jornal com os âncoras no Brasil e no Vaticano. Patrícia Poeta ficou encarregada de cobrir no país europeu e de entrevistar o cardeal paulista dom Odílio Scherer. Bonner ficou nos estúdios locais e expondo uma opinião notoriamente católica ao adjetivar em excesso o novo papa. Frases como “Nos primeiros gestos, nas primeiras palavras, já um jeito próximo, natural. ‘Irmãos, irmãs, boa noite’. Ali estava não mais o Jorge, mas o Francisco” e “Ontem ao se despedir do público, dizendo ‘boa noite, bom repouso’, parecia um pai que vela pelos filhos. Sua santidade. Santa simplicidade”. A imparcialidade jornalística foi mais uma vez esquecida, deixando prevalecer a opinião pessoal de que o novo chefe é simpático e humilde, observações não tão importantes em um jornal. É fato de que é inevitável tecer comentários bondosos ao papa por o Brasil ser um país com grande número de católicos, mas a teoria é de que o Estado deveria ser laico. O jornalismo deveria seguir tal padrão de laicidade e imparcialidade.
Vê-se, portanto, que as coberturas jornalísticas devem ser feitas com grande cuidado para não se exprimir a opinião tão abertamente. A Rede Globo foi citada mais de uma vez por prevalecer como o meio mais visto, mas outros veículos também devem ser observados com atenção quanto à opinião que expressam. Jornalismo imparcial é difícil, mas não impossível. Mostrar sempre ambos os lados, poupar adjetivos e manter um tom crítico sem julgar são características simples para manter a boa qualidade jornalística.
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Yvi Leíse Rosa Calvani é estudante de Jornalismo, Londrina, PR