Um bando de amigos de 30 e poucos anos e comportamento adolescente tenta se dar bem e acaba metido em um monte de confusões. O resumo poderia ser o de muitas comédias americanas recentes, mas trata-se de Vai que Dá Certo, filme que estreia nesta sexta-feira (22/3), dirigido por Mauricio Farias e estrelado por uma espécie de dream team do humor nacional no momento: Fabio Porchat, Gregorio Duvivier, Lúcio Mauro Filho, Bruno Mazzeo, além de um surpreendente Danton Mello e de Natália Lage, que preenche bem uma espécie de cota feminina nesse elenco tão masculino.
Apesar de sua aparente semelhança com o que se faz em Hollywood, inclusive nas citações pop que invadem os diálogos dos personagens, Vai que Dá Certo não tem como negar suas origens brasileiras. “Ao falar de questões brasileiras, ao ter personagens brasileiros, ao se passar no Brasil, já é necessariamente um gênero brasileiro”, diz Mauricio Farias, filho do também cineasta Roberto Farias e diretor de programas de televisão de sucesso como A Grande Família e Tapas & Beijos.
Os personagens que estão meio à toa na vida, sem perspectiva, cheios de dívidas, resolvem participar de um roubo a um carro-forte por influência de Danilo (Lúcio Mauro Filho), primo de Rodrigo (Danton Mello), amigo de Tonico (Felipe Abib) e dos irmãos Amaral (Fabio Porchat) e Vaguinho (Gregorio Duvivier). No meio do caminho, topam com bandidos (para conseguir as armas), polícia (corrupta) e político (igualmente corrupto). A solução só poderia mesmo estar num filme brasileiro.
“TV é a terra do close”
Para Mauricio Farias, existe um jeito brasileiro de fazer comédia, causa do sucesso no cinema atualmente – das dez maiores bilheterias do cinema nacional no ano passado, seis eram comédias (Até que a Sorte nos Separe, E aí, Comeu?, Os Penetras, De Pernas pro Ar 2, As Aventuras de Agamenon, o Repórter e Totalmente Inocentes). A frequente crítica a uma suposta linguagem televisiva desses produtos não o abala, até porque já se acostumou a ser visto com desconfiança tanto na TV quanto no cinema. “Quando comecei na televisão, era chamado de homem de cinema, porque minha família é de cinema. Quando fui rodar meu primeiro filme, na década de 2000, as pessoas de cinema me tratavam como homem de televisão”, diz.
Para o diretor, “o que importa é a capacidade das pessoas”. Mas as diferenças existem – uma das principais é o tamanho da tela. “É muito diferente você fazer um plano geral em 52 polegadas e um plano geral numa tela de seis metros”, afirma. Há também a limitação de tempo. Enquanto, no Brasil, um filme demora de quatro a oito semanas para ser rodado, uma novela tem dezenas de cenas gravadas por dia. Um episódio de um seriado, como Tapas & Beijos, leva quatro dias.
No início dos anos 2000, quando começou a fazer a série A Grande Família, Mauricio Farias inovou: fechou os cenários, colocou teto. Virou algo diferente dentro da própria televisão. “Descobri, fazendo comédia durante muitos anos, uma linguagem muito específica que enquadra e apresenta para o público um número grande de atores em cena. E essa linguagem nada tem a ver com a televisão, que é a terra do close.”
“Porta dos Fundos”
Lúcio Mauro Filho, que apareceu no programa de humor mais tradicional da televisão brasileira, o Zorra Total, e está no elenco de A Grande Família (ambos na Rede Globo) desde o início, sabe bem a transformação que isso representou. “Como temos a quarta parede, a gente faz um lado e, quando termina, tem de repetir a graça de novo, para o outro lado. Comediantes que não estão acostumados e que visitam A Grande Família ficam assustados de ter de repetir”, diz. Numa novela, são quatro câmeras apontadas para os atores e sem muita liberdade de movimento, para não acabar mostrando o estúdio.
Para ele, essa sitcom brasileira, sem a claque, com cenários completos, aproximou-se do cinema. “O cinema de comédia brasileiro evoluiu. E sei que tem filme que é ruim e tem filme que é bom, mas a comédia evoluiu tecnicamente, e talvez o fato de a televisão ter pedido emprestado do cinema e agora devolvido mostra como essas mídias podem trocar, como não são coisas estanques”, afirma o ator.
Essa nova geração da comédia pode ser chamada de multiplataforma, atuando no cinema, no teatro, na televisão aberta e fechada e na internet – o canal de vídeos “Porta dos Fundos”, de Porchat e Duvivier, é um sucesso. Para Porchat, o ideal é juntar todo o público possível para assisti-lo, ou seja, “fazer com que o cara que gostou de você no teatro vá com você para a internet”. Duvivier afirma que essa versatilidade vem do teatro, origem de todos eles. Ele diz não fazer muita distinção entre as mídias: “Nunca pensamos: vamos fazer para o público de internet? Por exemplo, não quisemos filmar com celular no ‘Porta’. O público da internet é tão exigente quanto do cinema e da televisão.”
Donos de suas piadas
Bruno Mazzeo percebe uma recepção diferente do humor pelos públicos de cinema, televisão, internet e teatro. “A TV exige um cuidado maior, pois entra na casa das pessoas sem pedir licença. O mesmo programa é visto por uma família no interior do Piauí, por uma senhora em Porto Alegre e por um garotão em Ipanema. Já no cinema e no teatro a pessoa sai de casa para te ver, escolhe essa opção”, diz Mazzeo.
A questão, para eles, é mais de liberdade do que de linguagem. Apesar de o “Porta dos Fundos” ter sido assediado por diversas emissoras de televisão aberta e fechada, seus criadores acham que este não é o momento. “Iremos apenas quando tivermos a mesma liberdade editorial da internet. E ainda está longe disso, nem a TV aberta nem a fechada estão prontas”, diz Duvivier, para quem o espectador, sim, está preparado.
O “Porta dos Fundos” deve chegar primeiro ao cinema. Donos de estilos diferentes, esses comediantes formam uma espécie de turma, que se junta em projetos nas mais diversas mídias. Eles têm a vantagem de poder escolher e dizer não, pois escrevem e produzem seu próprio material. “Todos fazem piada com o que querem, não têm tantas amarras. Falam do jeito que querem, da forma que bem entenderem. São muito donos de suas piadas”, diz Porchat. E, se a televisão não está pronta, e o cinema demora para alcançar e para fazer, a internet está aí. É só experimentar e ver se dá certo.
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Mariane Morisawa, para o Valor Econômico, de São Paulo