Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

A Globo e a ‘espanholização’ do futebol brasileiro

Os campeonatos nacionais na Espanha são dominados por Barcelona e Real Madrid, cada qual com sua filosofia para montar as equipes. Os blaugranas investem na base; os merengues em craques consagrados. De uma forma ou de outra, esses clubes estão sempre levantando troféus locais, revezando-se entre si, dividindo-se a hegemonia entre eles. Raramente os títulos mudam de mãos.

No Brasil, começam a surgir tentativas de “espanholizar” o futebol em que dois clubes são privilegiados em tudo, como exposição maciça das marcas na mídia, contratos bondosos sobre as cotas de transmissão das partidas, acesso a financiamentos, patrocínios com dinheiro público, entre outros benefícios. Os demais clubes seriam coadjuvantes.

O projeto é da Rede Globo. Os escolhidos para fazerem a vez de Barça e Real no Brasil são Flamengo e Corinthians, donos das duas maiores torcidas do país, de acordo com pesquisas. Os paulistas têm sido também beneficiados pelo governo federal. O favorecimento estatal aos alvinegros começou a se desenhar na gestão do presidente Luís Inácio Lula da Silva, corintiano declarado.

As evidências são tantas que, certamente, vou me esquecer de algumas delas. A mais clara é o patrocínio da Caixa Econômica Federal, além de dinheiro do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) para construção do estádio em Itaquera. Todas essas operações teriam sido intermediadas por Lula, cuja influência no Palácio do Planalto é praticamente a mesma de quando governou o país por oito anos.

Privilégios explícitos

Os “projetos” da Globo para o Flamengo passam pela exposição cada vez maior da marca em suas novelas, seriados e minisséries. Vira e mexe, aparece personagem vestindo as cores do rubro-negro. Basta se lembrar da novela Avenida Brasil em que Tufão, interpretado por Murílio Benício, era um ex-jogador do Flamengo. Na semana passada, o seriado Louco por Elas foi todo dedicado ao clube carioca.

O rubro-negro terá mais. A Globo vai apostar no novo Maracanã para reforçar o culto ao Flamengo, vinculando a história do estádio à do time de Zico. As homenagens ao “Galinho de Quintino” e a outros atletas do clube serão merecidas. Mas elas só serão feitas para reforçar parte do projeto de “espanholização” em desenvolvimento no Brasil, que está um pouco atrasada na comparação com a do time paulista.

Além do tempo de exposição nos telejornais e dos jogos transmitidos sem critérios, a não ser o do privilégio descarado, a Rede Globo dará ao Corinthians núcleo específico na novela Sangue bom, a nova trama das 19 horas, que estreou segunda-feira (29/4). O amante das telenovelas vai ser bombardeado, diariamente, por vários meses, com cenas envolvendo o “bando de loucos”.

A fatura da Globo com o clube paulista, por exemplo, pode ter se originado em 2011, quando o Clube dos 13 decidiu abrir negociação sobre os direitos de transmissão do Campeonato Brasileiro com outras emissoras de tevê, como a Rede Record. A postura incomodou a CBF (Confederação Brasileira de Futebol) e a TV Globo.

Andrés Sanchez, então presidente do Corinthians, teria atuado para impedir que a Globo perdesse ou tivesse que dividir o filão das transmissões do futebol. Os paulistas, como recompensa, ganhariam um estádio em Itaquera, conforme denunciou o presidente do Atlético-MG, Alexandre Kalil, em entrevista ao programa Bola da vez, do canal fechado ESPN, exibida no dia 16/4.

E, pelo o que se ouve, vêm muito mais “boas novas” para esses clubes por aí. É bom não pagar para ver. A Globo não está para brincadeira. Se os dirigentes de Palmeiras, Santos, Vasco, Fluminense, Cruzeiro, São Paulo, Botafogo, Internacional, Grêmio e Atlético Mineiro não agirem rapidamente, a “espanholização” do futebol brasileiro deverá estar concretizada dentro de quatro anos.

É o tempo que a Globo terá para executar estratégias e projetos que possam tornar Flamengo e Corinthians duas potências da América do Sul, quiçá do planeta, em prejuízo dos demais clubes que ajudaram a construir a rica e vitoriosa história do futebol brasileiro, cinco vezes campeão mundial.

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Antonio Carlos Teixeira é jornalista em Brasília, assessor de imprensa no Senado Federal