Numa das divulgações de resultados mais acompanhadas em anos, a Apple Inc. acalmou alguns dos temores de Wall Street, apesar de ter sofrido sua primeira queda no lucro em mais de dez anos e de suscitar novos temores sobre seu crescimento futuro. Os resultados da gigante de tecnologia do Vale do Silício no segundo trimestre fiscal superaram as previsões dos analistas e a Apple também aumentou seu programa para devolver dinheiro aos acionistas, de US$ 55 bilhões para US$ 100 bilhões até o fim de 2015. As medidas, que apaziguam as pressões de acionistas por mais retornos, incluem recompra de ações e dividendos trimestrais maiores.
Os resultados da Apple – que incluem queda de 18% nos lucros ante um ano antes, para US$ 9,55 bilhões, e o menor crescimento na receita desde 2009 – ressaltam, de qualquer forma, a resistência da marca iPhone, cujas vendas continuaram subindo. As vendas de iPads foram ainda mais fortes, com salto de 65% em unidades. “Estamos muito confiantes no futuro”, disse Peter Oppenheimer, diretor financeiro da Apple, numa entrevista. Ele acrescentou que “estamos numa boa fase para a Apple e continuaremos numa boa fase”.
Mas a empresa vive uma crise de identidade em Wall Street. A Apple está às voltas com investidores inquietos em meio ao recente declínio no preço da sua ação depois de ter atingido um pico de US$ 702,10 em setembro passado. Boa parte do nervosismo dos investidores é causado pelo fato de Wall Street estar tratando e avaliando a empresa como uma fabricante tradicional de hardware. Uma parte dos analistas e investidores diz que há fortes razões para ver a Apple sob um prisma diferente: como um híbrido de software e hardware.
Fontes voláteis de receita e lucro
Tal distinção é importante. Se a Apple continuar sendo considerada uma empresa de hardware, sua trajetória de alta – sustentada por produtos como o iPhone e o iPad – logo poderia enfraquecer, à medida que smartphones e tablets viram commodities e a preferência dos consumidores muda. É uma lição que a Research In Motion Ltd., fabricante do BlackBerry, aprendeu ao ver sua tecnologia de hardware rapidamente eclipsada pelos próprios produtos da Apple.
Se a Apple for classificada como um híbrido de software e hardware, ela poderia ser avaliada como as empresas de internet e software que têm fontes de receitas recorrentes e cujas ações são geralmente negociadas a um índice preço/lucro maior que as fabricantes de hardware.
“O mercado vê a Apple como uma empresa de hardware de consumo ligada a ciclos de produto que geram fontes voláteis de receita e lucro”, diz Katy Huberty, analista do Morgan Stanley. Mas esta visão é incompleta, diz ela, pois “os consumidores da Apple compram a marca porque ela oferece facilidades de uso semelhantes à de empresas como a Amazon.com ou a NetApp” [uma firma de armazenamento e gerenciamento de dados]. Um porta-voz da Apple não quis comentar.
Fonte contínua de receita
Com Wall Street colocando a Apple na categoria de fabricante de hardware, os investidores estão avaliando o preço da ação da empresa – que registrou o astronômico lucro de US$ 13 bilhões no quarto trimestre de 2012 – em 8,6 vezes o lucro por ação estimado para os próximos 12 meses. Em comparação, eles no momento avaliam a Hewlett-Packard, que lucrou US$ 1,2 bilhão no último trimestre, a um índice preço/lucro de 5,6. Já a combalida Dell Inc., cuja ação foi inflada depois do acordo que fez este ano para fechar seu capital, está sendo negociada a uma razão P/L de 8,5. A margem bruta da Apple está em torno de 40%, uma medida importante da eficiência da companhia em ganhar dinheiro. É quase o dobro das margens da HP e da Dell.
A Apple tem características que a tornam diferente de muitas outras empresas de hardware. Os clientes frequentemente atualizam os produtos dela anualmente, uma frequência bem maior que os quatro anos do ciclo de atualização de PCs típico de fabricantes de hardware, como a HP e a Dell.
Enquanto essas duas empresas vêm tentando fortalecer sua área de software, o sistema operacional e o software iTunes, da Apple, já são quase onipresentes. A Apple tem também mais de 500 milhões de contas ligadas a cartões de crédito na sua loja de aplicativos App Store – e uma base de clientes para quem vender novos serviços –, o que dá a ela uma fonte contínua de receita.
“Precisam lançar alguma coisa legal”
Isso dá à Apple pelo menos algumas das características de empresas de software como a EMC Corp., que fornece hardware para armazenamento de dados, além de serviços, e tem um índice P/L de 11,4. Alguns analistas estão pedindo uma comparação da Apple com companhias como a operadora de TV a cabo Comcast Corp., que também desfruta de um fluxo constante de receitas com assinaturas. O índice P/L da Comcast é de 16,4.
O diretor-presidente da Apple, Tim Cook, vem fazendo lobby para que Wall Street mude essa visão centrada no hardware. Numa conferência com investidores em fevereiro, ele disse que “como não somos uma empresa de hardware, temos outras formas de ganhar dinheiro e remunerar os acionistas”. Cook acrescentou que, ao contrário de outras firmas de hardware, “não vemos a venda de um produto como a última etapa da nossa relação com o cliente. Ela é a primeira”.
Mas mesmo que Wall Street passe a ver a Apple como um híbrido de software e hardware, os problemas da empresa não estarão resolvidos. Embora a lealdade dos consumidores à Apple continue alta, com 80% a 90% dos usuários do iPhone nos EUA dizendo que seu próximo celular será outro iPhone, o tempo está correndo, diz Gene Munster, analista da Piper Jaffray. “As pessoas amam os produtos da Apple e querem continuar comprando-os, mas eles já têm seis meses. Eles precisam lançar alguma coisa legal.”
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Jessica E. Lessin e Ian Sherr, do Wall Street Journal