Monday, 04 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1312

Vovôs do stand-up

Nos últimos dez anos, o termo “stand-up” passou a ser usado com mais frequência para se referir a uma nova geração do humor surgida em teatros e bares e focada em texto e interpretação.

Passado esse tempo, vários desses rostos viraram estrelas de internet, TV e cinema.

Pelo terceiro ano, o gênero ocupa um dos palcos da Virada Cultural de São Paulo, em 18 e 19 de maio. Na escalação, nomes consolidados da última década –hoje mais dedicados a projetos fora dos palcos–, outros de sucesso intermediário e apostas da curadoria para o futuro.

Nesse cenário, por onde andam alguns dos grandes comediantes do passado e o que acham disso tudo?

>> Piada não se conta, interpreta-se. É preciso ter voz, expressão facial, mímica, repertório. Os “stand-upeiros” de hoje fazem uma coisa só. Antes, dava para contar os comediantes nos dedos… do Lula! Hoje, contam-se nos dedos dos pés… da centopeia! Falta qualidade. (Ary Toledo, 75)

>> Hoje em dia, minha renda vem dos shows. Quando sobra, gasto. Quando não sobra, trabalho para pagar. Quando a fila dos credores está maior que a do público, tenho que fazer sessão extra. (Juca Chaves, 74)

>> O Seu Peru serviu para me identificar. Até hoje me dizem “Peru com mel, da Vila Isabel”. Ainda gozo de muito prestígio na rua, quando saio aqui pela Vila Isabel. (Orlando Drummond, 93)

>> José Vasconcelos fazia humor de cara limpa, como Jô Soares, Chico Anysio, Agildo Ribeiro, Paulo Silvino. O despojamento valorizado pelo termo “stand-up” facilitou o aparecimento de gente sem talento. (Sergio Rabello, 33 de carreira, não revela a idade)

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Velha guarda do humor reivindica primazia

“Não existe piada velha, mas gente velha que a conhece. Meu consolo é esse: para as pessoas que vão nascer, minhas piadas são novíssimas.”

A frase é de Ary Toledo, 75, que, na última semana, fez shows em Mairiporã e São Paulo e, nas próximas duas, vai a Limeira (dia 4) e São Caetano do Sul (dia 11).

Teatros e aparições no programa de Silvio Santos, no SBT, ainda fazem parte da vida do humorista, que tem 50 anos de carreira, mas está fora da próxima Virada Cultural de São Paulo.

Desde 2011, o evento reserva um palco ao humor do gênero “stand-up comedy”. Em cada uma das duas últimas edições, a organização estima que cerca de 200 mil pessoas passaram por lá.

As multidões atrás de humor rápido, autoral e sarcástico devem se repetir na edição deste ano, marcada para os dias 18 e 19 de maio. Já foram divulgados nomes como os de Fabio Porchat, Danilo Gentili, Rafinha Bastos e Rafael Cortez. Todos esses têm menos de 40 anos e vêm da cena surgida nos últimos dez anos em bares e teatros, batizada com a expressão em inglês para comédia de pé. Dali foram às redes sociais, à televisão aberta, ao estrelato.

Há muito tempo, outra geração, ainda hoje na ativa, já se dedicava a provocar o riso em teatros. Alguns desses pioneiros clamam para si e antecessores seus a primazia nesse tipo de humor.

Ary destaca José Vasconcelos (1926-2011), “o primeiro showman' brasileiro”. O humorista de Rio Branco, no Acre (“O quê?! Nasce gente lá?!”, brincava em seus shows, na vanguarda dos que duvidam gaiatos da existência do Estado), seria o precursor do estilo no Brasil, nos anos 1950.

Durante mais de uma hora de conversa animada e fluida, Ary cita amigos saudosos que, segundo ele, ajudaram a construir o gênero, tais como Golias (1929-2005), Costinha (1923-2005) e Chico Anysio (1932-2012).

Cristo na cruz

“O stand-up' não é americano. Os da nova geração que pensam assim não fazem por mal, mas por desinformação. Respondo com as palavras de Cristo na cruz: Pai, perdoai-os! Eles não sabem o que fazem'“, diz Ary, entre risos.

Ainda que reconheça alguns novos talentos, Sergio Rabello, 33 anos de carreira, define a nova cena assim: “Um humorista fazendo humor em pé, sem caracterização, sem sonoplastia, sem figurino, sem cenografia (e, na maioria da vezes, sem graça)”.

Ele também destaca pioneiros: “Sempre existiu sem um termo que definisse. Juca Chaves já fazia há mais de 50 anos, até sem sapato. Vasconcelos fazia de cara limpa e também Jô Soares, Chico, Agildo Ribeiro e Paulo Silvino”.

Ary cita talentos como Rafinha Bastos, Danilo Gentili e Marcelo Medici, mas vê muita quantidade para pouca qualidade. “No meu tempo, dava para contar os humoristas nos dedos… do Lula! Hoje, dá para contar nos dedos dos pés… da centopeia!”.

Segundo ele, a longevidade do seu show está na mistura de piada, mímica, efeitos especiais e música. “Os stand-upeiros' não têm esses ingredientes; fazem uma coisa só.”

Juca Chaves, 74, também destaca a polivalência. “A Ana Carolina disse na capa da Veja que era bi[ssexual], e daí?'. Eu sou tri: faço sátiras, modinhas e humor.”

Ele reconhece novos talentos, sem citar nomes, mas não é gentil com a maior parte da cena. “É o karaokê do humor. Eles põem umas calças jeans, falam uns palavrões e acham que são o novo. O pior é que o público ri.”

O humorista, com 58 anos de carreira, busca patrocínio para o teatro de 350 lugares que leva seu nome no Itaim Bibi, zona sul de São Paulo, e para um novo show. “Não quero apoio cultural; cultura eu já tenho, quero apoio financeiro.”

Orlando Drummond, 93, famoso pelo personagem Seu Peru, lembra da parceria com Ivon Curi (1928-1995). “Durou três anos. Já tinha feito alguma coisa antes, com o Chico Anysio, mas foi com Curi que dei continuidade.” Diz sentir falta de bons roteiros de humor, especialmente na TV. “Para fazer rir é preciso um bom texto; só uma cara engraçada não resiste ao tempo.”

Os vovôs do humor concordam na importância da renovação. “Se não, nossos netos vão rir de quem?”, pergunta Toledo.

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Jovem guarda monopoliza palco na Virada

Ainda que não haja consenso quanto à própria definição de “stand-up”, dois nomes do humor brasileiro que estarão no palco do gênero da Virada Cultural de 2013 apontam diferenças entre seus shows e os dos pioneiros.

Fabio Porchat, 29, do coletivo Porta dos Fundos, diz ser muito fã de Ary Toledo e da capacidade dele de ganhar o público com piadas já conhecidas. Mas diz que, “no stand-up, não se usa nenhum tipo de personagem; além disso, o texto tem que ser original.”

A definição exclui boa parte do repertório de Toledo, que diz ter compilado mais de 60 mil piadas, mil delas de sua autoria.

Rafinha Bastos, 36, diz importar-se menos hoje em dia com definições ou regras que seu grupo estabeleceu quando começou a fazer shows há dez anos. “No começo, trilha sonora e efeitos de luz eram vetados. Hoje, ninguém é mais tão rígido assim.”

Rafinha diz admirar os criadores de uma cultura de humor muito antiga no país, sem os quais não haveria um mercado de humor.

“Carlos Alberto de Nóbrega, Juca, Rabello, Chico, TV Pirata. Respeito muito o Ary, que faz shows pelo Brasil inteiro com um humor que, talvez, não exija tanta referência quanto um stand-up'. Talvez o conteúdo e a maneira de se colocar sejam diferentes, mas foram precursores.”

O ator, diretor e humorista Fábio Silvestre, 42, que faz a curadoria deste palco específico da Virada, defende a onda de renovação no humor, para ele muito calcada na pulverização das novas mídias.

“Com o stand-up' e, principalmente, com o YouTube, uma nova geração começou a ganhar espaço; primeiro, na internet, nos bares, nos teatros, na televisão e, agora, nos cinemas.”

Para ele, veteranos e novatos poderiam conviver num evento como a Virada Cultural, mas em palcos diferentes.

“Qualquer tipo de humor é bom. Se fosse um palco de humor em geral, eles estariam lá. Ficaria felicíssimo de ter esses caras por lá”, diz Porchat.

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Trajano Pontes, colaboração para a Folha de S.Paulo