O capitalismo transforma todos os valores de uso em valor de troca, inclusive os valores simbólicos. A própria ética da práxis humana foi transformada em um espetáculo comercial da ação comunicativa alienadora. Estamos vivendo um momento ético em que o próprio sujeito da práxis é levado a aplaudir sua alienação desumanizante. A mídia tem mostrado, corroborado e colaborado incessantemente, todos os anos, um espetáculo de coisificação promovido pelo sindicalismo neoliberal brasileiro. Seria essa uma ação da ética discursiva intencional a serviço do capital?
É 1º de maio, data simbólica para a classe trabalhadora do Brasil e do mundo. Mas o que temos visto é toda a imprensa burguesa veicular de bom grado, ano após ano, o grande espetáculo da coisificação dos trabalhadores no 1º de maio brasileiro. Não há a menor veiculação da ideia do trabalho como um pôr teleológico e de construção societal humano. Será que o espírito da chamada imprensa operária, formada pelos jornais O Amigo do Povo; Terra Livre; Brasil Operário; A Greve; O Chapeleiro; A Voz do Marmorista; O Trabalho; A Federação; A Classe Operária; O Libertário; A Lanterna etc. dariam as mesmas manchetes que a mídia brasileira neoliberal enfia goela adentro do povo brasileiro nas comemorações do 1º de maio atualmente no país?
Outra pergunta que não quer calar é por que a mídia não toca em temas delicados, como o episódio de 1908, quando houve uma greve de 800 trabalhadores da construção da Estrada de Ferro do Sul, no Espírito Santo, que exigia o pagamento de salários que estavam atrasados há dez meses. No quinto dia de greve, quando os trabalhadores retornavam ao trabalho, soldados enviados do Rio de Janeiro abriram fogo contra os grevistas. Resultado: setenta trabalhadores mortos e mais de 200 feridos. Estaria a mídia atuando no papel de protagonista da desmemorização e desconscientização do trabalhador brasileiro?
Luta de classes e colaboração de classes
Muito mais do que estar preocupado com um programinha com características bestilizantes e de escola de vulgaridade e conspiração do capitalismo toyotista, como o big brother, temos a necessidade de enfrentar e dar mais relevância a alguns desafios. São eles:
** Romper com o tripé capital-trabalho-Estado;
** Integrar a América Latina;
** Valorizar os movimentos sociais;
** Dar centralidade de classes, articular a luta social e política;
** Internacionalizar as lutas da classe trabalhadora;
** Resgatar o sentido de pertencimento de classe.
Estas são conditio sine qua non para a construção de uma práxis histórica e consciente, para, a partir daí, erigirmos o homem que faz do trabalho algo para além do labor. Este é algo para manter a subsistência orgânica, biológica e instintiva; aquele é o pôr teleológica do homem enquanto ser social. No momento, o trabalhador brasileiro está submetido à primeira alternativa. E o mais grave é que no seu dia símbolo de lutas por emancipação da minoridade e celebrar as lutas por conquistas da maioridade, o nosso trabalhador é conduzido pela mídia, o Estado e o mercado para enaltecer a sua niilificação.
Por que, ao invés de alardear o niilismo, a mídia brasileira não notifica ano após ano as principais lutas da classe operária brasileira, todas iniciadas no 1º de maio? Cito: 1887 – Rio Grande do Sul, um ano após o massacre de Chicago, a União Operária promove a montagem da peça 1º de maio. 1890 – dia 1º de maio é comemorado segundo a orientação da Internacional, com greves e manifestações. 1891 – em São Paulo, ativistas tentam criar um partido operário. Pernambuco, um deputado estadual apresenta um projeto de redução da jornada de trabalho para 8 horas, que é rejeitado. 1894 – São Paulo, a polícia prende militantes anarquistas e socialistas que, na véspera do 1º de maio, realizavam a II Conferência dos socialistas brasileiros.
As perguntas que ficam para a mídia são, por que todos estes atos históricos foram esquecidos? Será que eles não se repetem, hoje? Por que tudo que diz respeito à teleologia do trabalho assusta tanto a mídia, o Estado e o mercado? Estamos nós, hoje, diante de um comportamento nazifascista do governo Vargas que, entre 1930 e 1945, investiu todos os seus esforços para implementar sua nova visão de sindicato. As suas ideias eram repetidas de mil formas. Programas de rádio, jornais, documentários e discursos eram direcionados para as massas. Grandes festas eram programadas em estádios de futebol. Tal como lá, cá também, o sindicalismo está sob o controle do Estado e do mercado, exceto dos trabalhadores. E quando isto acontece, não há teleologia do trabalho, ou seja, o sujeito trabalhador vira um objeto massa de manobra nas mãos de quem tem todo tipo de interesse material e simbólico. No governo nazifascista de Vargas, em 1930, o objetivo era substituir o que ele chamava de velho e negativo conceito de luta de classes pelo conceito novo de colaboração de classes. O trabalhador passa ser o colaborador do seu próprio estado de niilismo total.
A mídia, um sistema de controle
Hoje, os cantores de niilismo musical, de pornoforró, pornobrega etc. podem não ter consciência do que estão fazendo a serviço da classe exploradora, e do desserviço que estão fazendo à classe trabalhadora, mas que estão prestando um mega serviço ao mercado e à mídia, não há dúvida. Não vislumbro nenhuma construção societal para um modelo de niilificação do pôr teleológico imposto pela mídia burguesa.
Penso que o trabalhador precisa de uma construção de um paradigma que o eleve à condição ontológica de ser da práxis, ser autônomo, e não de uma condição heterodeterminada, baseada na condição de mercadoria de troca. Precisamos de um novo paradigma que seja corroborador com princípios que construam a nossa vida socialmente. Como afirma (Antunes, 2009: 177) os princípios constitutivos centrais dessa nova vida serão encontrados ao se erigir um sistema societal em que: 1) o sentido da sociedade seja voltado exclusivamente para o atendimento das efetivas necessidades humanas e sociais; 2) o exercício do trabalho se torne sinônimo de autoatividade, atividade livre, baseada no tempo disponível. Deploramos o sistema midiático, mercadológico e estatal que, desprovido de uma orientação humana-societal significativa configurou-se como um sistema de controle onde o valor de uso foi totalmente subordinado ao seu valor de troca, às necessidades reprodutivas do capital. Inclusive a arte, usada de uma forma tão perspicaz, com uma intencionalidade tão eloquente de anular a História e a consciência de classes e a condição de um ser social tão relevante, como a classe trabalhadora.
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José Valmir Dantas de Andrade é filósofo e educador