Em sua abrangente viagem pelo mundo, a blogueira cubana Yoani Sánchez marcou presença na capital alemã. Através do Twitter, Yoani divulgava seus compromissos seguintes: Alexanderplatz acompanhada do carro da emissora Deutsche Welle; depois uma passada no portão de Brandenburgo, no Museu Judaico e na prisão da Stasi, polícia secreta da ex-República Democrática Alemã.
Na segunda-feira (6/5), ela divulgara sua participação na conferência “re:publica”, que durante três dias discutiu em Berlim sobre cultura-digital, política digital e como é possível influenciar a política estabelecida através da internet.
Yoani Sánchez foi protagonista de um dos primeiros eventos da conferência, que já funciona como um radar para grandes firmas de multimídia, de olho no seu público-alvo. A linguagem marqueteira que fala do público de amanhã virou obsoleta devido à velocidade do desenvolvimento de novas tecnologias. Daimler e Windows são os principais patrocinadores da “re:publica”, que cobra valores exorbitantes de ingresso, mas que é coerente o suficiente para oferecer acesso às palestras através do live-stream (ver aqui).
Picadinho de carne, sem carne
Muito simpática e com desenvoltura surpreendente para quem até então vivia isolada em Cuba, Yoani Sánchez compartilhou com o público de aproximadamente 100 pessoas – num lugar que comportaria o dobro – os atropelos que enfrenta para se comunicar com o mundo externo.
Ao contrário da tradutora estressada, Yoani, sem nenhuma pressa e visivelmente se deliciando com o interesse midiático, delineou o seu procedimento para usar a ferramenta do Twitter. Para comparar, ela mencionou um prato muito popular e cobiçado em Cuba, o picadinho de carne. “Junta-se várias verduras e temperos, mas pela falta de carne no país, recorre-se ao suco que é tirado da parte interior de frutas ou raízes, para fingir um picadinho sem carne”, explicou.
Para postar mensagens na sua conta do Twitter, que tem quase meio milhão de seguidores, ela envia um torpedo para o provedor do país em que se encontra ligando para um número específico e navegando por um menu de cinco opções até chegar à opção “Envio”, enquanto ilustra o movimento com o dedo polegar como se estivesse palestrando para iniciantes no uso de novas mídias, enquanto espectadores, no melhor estilo de multitasking frenético, se dividem entre a palestra e seus celulares e IPads.
Em tom envergonhado, ela diz que não tem como ler suas mensagens postadas, nem muito menos em acesso aos comentários publicados em suas postagens.
Referindo-se à tecnologia de ponta existente na Alemanha, declarou: “Com o meu conhecimento rudimentar da internet, eu teria nesse país grandes dificuldades de me encontrar nesse mundo digital” – o que foi decodificado erroneamente pela tradutora, que expressou exatamente o oposto.
Denúncias via internet
Yoani disse que o seu telefone é grampeado e que até mesmo conversas íntimas com seu marido seriam gravadas. Ao mesmo tempo conta situações de sucesso obtido contra o regime cubano com o auxílio da “arma internet”. Sua amiga Claudia, presa e já no camburão da polícia, teria conseguido segundos antes enviar o tuíte denunciando os maltratos. Antes mesmo de chegar à delegacia, o telefone tocou e “alguém lá de cima” teria dito: “Não maltrata ela, não. O mundo inteiro está acompanhando ao vivo!” Com orgulho, ela diz: “Esse Twitter salvou a vida da Claudia!” E continua: “Estamos começando a quebrar o muro. Passar do silêncio para opinião. Essas ferramentas estão mudando a história de Cuba, onde existem 200 blogueiros independentes”.
Num país altamente digitalizado como a Alemanha, a reação é de estranhamento, para dizer ao mínimo, quando Yoani afirma que “nenhum cidadão comum em Cuba tem autorização para ter internet casa. Enquanto isso, vocês acham que eu estou sempre conectada” – diz, esboçando um sorriso.
Numa postura de grande ingenuidade, Sanchez declina todo o seu procedimento de trabalho para o blog Generación Y (ver aqui), afirmando não ser compromissada com notícias em cima da hora e “ter todo o tempo do mundo” para escrever suas crônicas. Ela aconselha aos presentes usarem o Thunderbird, um programa gratuito de e-mail, como se estive contando uma novidade: ”É muito bom. Você não precisa estar online para acessar os e-mails, pode formulá-los com toda a calma, passar pela ferramenta de correção gramatical e depois enviar”.
Ao referir-se à odisseia de ser blogueira na ilha de Cuba, ela disse: “Depois que escrevo umas cinco ou seis crônicas, eu as coloco num pendrive e vou um hotel dedicado à classe turística, onde pago um valor altíssimo em dólares americanos para postar meus artigos num período curto de 20 minutos”.
Yoani Sánchez também não deixa de dar dicas para quem vai ao seu país. “Se você vai à Cuba, ou se ao seu lado tem alguém que vai à Cuba, vocês devem levar seus celulares velhos, seus pendrive e aparelhos eletrônicos em geral e doar para qualquer pessoa passando na rua” (ver aqui).
Internet, um direito básico
A conferência “re:publica” ocorreu duas semanas depois de a Telekom alemã anunciar o fim do uso ilimitado da internet: A partir do início de maio entrou em vigor, primeiramente para os novos clientes, o teto limite de 75 gigabytes por mês. Quem ultrapassar essa marca terá que surfar com a velocidade de 384 Kb por segundo. A partir de 2016, segundo a Telekom, todos os clientes terão em seus contratos a chamada “cláusula do estrangulamento” (Drosselungs-Klausel). A revista de informática Chip Online esclarece que também os clientes antigos serão afetados por essa medida a partir de 2016. Com a desculpa da mudança para a tecnologia VoIP, a mais odiada de todos os provedores da Alemanha, “exigirá o cancelamento de velhos contratos, garantindo assim a cláusula de estrangulamento nos novos”.
Editores de várias revistas de informática exigiram a intervenção da política nessa medida, argumentando que a internet teria se tornado um direito básico de todos. Com isso, seria, de fato, a morte da chamada Flatrate (internet sem limites de transferência de dados).
Nessa edição, a “re:publica” foi palco de um interessante paradoxo: de um lado, uma blogueira cubana sem acesso direto à internet, que se transformou na janela de um governo antidemocrático. Do outro, um país totalmente digitalizado – e, segundo estatísticas, campeão europeu na atividade de e-commerce –, temendo seus direitos básicos frente à ameaça de uma internet limitada pelo monopólio da Telekom. Tudo isso numa conferência sobre a internet, suas possibilidades e suas metas para o futuro próximo. O motivo da conferência fisgou bem o Zeitgeist: In/Side/Out.
Relativizando os paradigmas
Quem esperava uma cubana exótica, de cabelos longos e um guarda-roupa típico em cores e combinações, encontrou. Quem esperava uma Yoani Sánchez tímida, enganou-se. Viu-se uma Sra. Sánchez muito bem informada sobre o país que ela continua visitando por esses dias.
No fim de sua palestra e imediatamente cercada por jornalistas ansiosos por uma entrevista, ela, muito coquete, surpreendeu com um alemão-suíço de sotaque espanhol dizendo: “Não terei tempo”.
Perguntada por mim como teria aprendido alemão, ela respondeu com a naturalidade de uma cidadã do mundo: “Eu morei durante dois anos na Suíça”. Presenteando-a com um cartão postal de edição única da exposição comemorativa “20 anos da queda do Muro de Berlim”, em Alexanderplatz, que ela havia visitado no início da manhã, apresentei-me em língua portuguesa, revelando a minha nacionalidade. Ela, esboçando um sorriso largo, balbuciou: “Um lindo país!”
Apesar dos maltratos e represálias sofridas em Cuba, Yoani Sanchéz mostrou – não só em Berlim – que não perdeu a ternura.
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Fátima Lacerda é jornalista freelance, formada em Letras, RJ, e gestão cultural em Berlim, onde está radicada desde 1988