Wednesday, 18 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

Da suíte ao sensacionalismo

No início de abril, dois casos chamaram atenção da imprensa nacional: a queda de um ônibus de um viaduto, no Rio de Janeiro, que levou à morte de sete pessoas, e o assassinato de um jovem em frente à portaria de seu prédio, em São Paulo, por um menor de idade. Desde então, os veículos de comunicação têm dado exaustivo destaque a crimes cometidos por adolescentes e – particularmente no Rio – a acidentes envolvendo coletivos da cidade.

Inevitavelmente, gera-se a sensação de que casos como esses estão aumentando em uma escala preocupante, ainda que sua frequência não tenha sofrido crescimento significativo – a diferença, agora, é sua evidência na mídia em razão de dois fatos que chocaram a população.

Com base no atual contexto, os jornais têm exigido, implícita ou explicitamente, respostas das autoridades para conter o suposto descontrole sobre tais problemas por meio de editoriais, colunas de opinião ou reportagens baseadas em diagnósticos de especialistas: “Redução da maioridade penal opõe analistas e sociedade” (Folha de S.Paulo, 18/4); “Maioridade penal: promotor defende redução; desembargador, melhoria da Fundação Casa” (Estadão Urgente, 7/5); “Prefeitura tem 40 agentes para inspecionar 9 mil ônibus, 33 mil táxis e 4 mil veículos de fretamento” (O Globo, 15/5); “‘São muitos acidentes, e tem gente morrendo’, diz diretor do Procon sobre situação de ônibus no Rio” (O Globo, 15/5).

Forma sofisticada sensacionalismo

Em paralelo, os veículos informativos seguem noticiando novos casos que remetem à questão da maioridade penal e à má qualidade do transporte público, a fim de reforçar a urgência para que os governantes tomem uma atitude para resolver os imbróglios: “Ciclista morre atropelado e motorista é autuado por homicídio no RJ” (Jornal do Brasil, 19/5); “Ciclista morre atropelado por caminhão da Comlurb no Rio” (Agência Estado, 18/5); “Morre mulher atropelada por ônibus que invadiu posto em Quintino” (O Globo, 14/4); “Mais um atropelamento por ônibus” (O Globo, 18/5); “Assaltante que ateou fogo em dentista é menor de idade, diz delegada” (UOL, 27/4); “Adolescente apreendido por estupro em ônibus cometeu outros crimes, diz polícia” (R7 Notícias, 15/5); “Menor já assaltou outros três coletivos no RJ” (Agência Estado, 8/5).

Duas conclusões básicas podem ser extraídas a partir do cenário apresentado:

Em primeiro lugar, o bombardeio de notícias sobre casos de violência envolvendo menores de idade e acidentes de ônibus gera uma falsa de sensação de aumento da insegurança, dado que tais problemas são antigos e não estão, necessariamente, crescendo. No que se refere à questão da maioridade penal, a forma como se dá a cobertura da mídia leva – ao menos em um primeiro momento – ao empobrecimento do debate, que passa a se dar em uma atmosfera de medo e exaltação de espírito, na qual pleitos por medidas radicais e imediatistas tendem a ofuscar propostas de médio e longo prazo que poderiam se mostrar mais eficientes.

Não se discute a importância de ambos os assuntos constarem na agenda dos jornais brasileiros. Mas é preciso rever os limites da suíte que, em doses exageradas, não deixam de ser uma forma um pouco mais sofisticada de sensacionalismo ou mesmo uma estratégia para afirmar determinado ponto de vista – o que não condiz com a neutralidade que, idealmente, deve caracterizar a produção jornalística.

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João Montenegro é jornalista, Rio de Janeiro, RJ