Wednesday, 18 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

Quando ‘desculpa’ torna-se a palavra mais difícil

A Bloomberg não está acostumada a pedir desculpas. Desde que Michael Bloomberg vendeu seu primeiro terminal financeiro, em 1982, seu foco obsessivo em tecnologia de ponta e na prestação do melhor serviço possível ao cliente tornou a companhia líder de mercado no setor de dados financeiros, anteriormente dominado por empresas mais antigas, como a Reuters e a Dow Jones. Os negócios noticiosos cresceram até reunir 2,4 mil jornalistas em uma época na qual várias redações há muito estabelecidas têm reduzido o tamanho das equipes; conquistar prêmios e afetar a movimentação do mercado com seu preciso e aparentemente transparente estilo de jornalismo, sendo que muito das informações geradas é alimentado pelos dados produzidos por seus próprios terminais financeiros.

A força da Bloomberg News, sustentada por vendas de terminais de US$ 20 mil por ano a mais de 315 mil assinantes, tornou-a um modelo para alguns observadores, à medida que o setor de mídia busca modelos de negócio sustentáveis que fujam à tradicional confiança na publicidade.

Na madrugada de ontem, porém, a companhia pediu desculpas pela segunda vez em três dias por um “erro” que levou os clientes a questionarem um princípio central que permeia as operações comerciais e editoriais da Bloomberg: a de que os clientes podem confiar à empresa informações sigilosas e compartilhar os dados entre si por meio dos terminais.

Repórteres buscavam fatos “mundanos”

“O erro foi indesculpável”, escreveu Matt Winkler, editor-chefe da Bloomberg News e autor de um dos manuais éticos mais conhecidos do setor de notícias, o chamado “Bloomberg Way”. O erro foi permitir que repórteres tivessem acesso a informações dos terminais que outros usuários não tinham permissão para ver. Isso inclui detalhes de quando os clientes se conectaram aos terminais pela última vez – frequentemente uma pista de quando alguém foi demitido –, que interações eles tiveram com o serviço de assistência da Bloomberg e quais das 15 mil funções do terminal eles estavam usando.

O banco Goldman Sachs descobriu a prática depois que um repórter em Hong Kong quis saber se um determinado funcionário havia deixado a instituição, depois de notar que essa pessoa não entrava no sistema há algum tempo. A Bloomberg, que se gaba de ter terminais instalados desde o Vaticano até a Casa Branca, tem enfrentado desde então duras críticas de alguns de seus maiores clientes. Alguns bancos, incluindo o JP Morgan Chase, e bancos centrais de Bruxelas a Washington pedem respostas.

Em seu editorial publicado no site da Bloomberg, Winkler admitiu: “Nosso cliente está certo. Nossos repórteres não deveriam ter acesso a nenhuma informação considerada proprietária. Peço desculpas por eles terem feito isso.” Mas Winkler também tentou minimizar a severidade dos erros. De acordo com o executivo, os repórteres buscavam, geralmente, fatos “mundanos” e observavam que funções eram mais acessadas pelos clientes. Era como “ser capaz de saber quantas vezes uma pessoa usava o Word ou o Excel”, disse.

“Pegos com as calças quase arriadas”

A Bloomberg cortou o acesso dos repórteres às informações sob investigação e nomeou um executivo que ficará responsável por verificar a conformidade do acesso a dados com as políticas da empresa, um cargo nomeado em inglês Chief Data Compliance Officer. Um banqueiro europeu mostrou-se impressionado com o fato de a alta direção da Bloomberg entrar em contato diretamente com grandes clientes para tranquilizá-los. Ainda não está claro, no entanto, se essas medidas serão suficientes.

Winkler não fez comentários sobre informações de que em 2011 a Bloomberg já havia discutido a possibilidade de limitar o acesso de seus repórteres às informações dos clientes. Ele também não explicou que tipo de investigação interna foi realizada [quanto ao episódio atual], ou sugeriu qualquer revisão na relação próxima que existe entre as equipes de vendas e de notícias da Bloomberg. Essa posição contrasta com a forte separação que outros grupos mantêm entre suas operações comerciais e editoriais. Em seu texto, intitulado “Assumindo a culpa”, Winkler não mencionou se a Bloomberg indicaria um profissional independente para verificar que a companhia fez as mudanças necessárias para tranquilizar seus clientes.

O sentimento de satisfação com os problemas alheios, que os alemães chamam de schadenfreude, ficou claro entre alguns dos clientes da Bloomberg que foram diretamente afetados pelo problema. “Duvido que eles tenham alguma punição séria, mas até agora as coisas parecem bem complicadas”, disse um executivo de comunicação de uma empresa. “Muita gente está adorando o fato de eles terem sido pegos com as calças quase arriadas”, acrescentou o executivo.

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Andrew Edgecliffe-Johnson, do Financial Times, em Nova York